A Grande Pirâmide do Egito mistério ou ciência?

O governante do Egito, ao longo de sua vida, encomendava construções monumentais para legitimar seu poder e eternizar seu nome na história, daí a expressão que conhecemos, “obras faraônicas”. Já o processo de mumificação após a morte, segundo a crença egípcia, garantia a eternidade na vida além túmulo, o Duat, paraíso agrário governado pelo deus Osíris. Tais circunstâncias, foram a motivação para a construção desses complexos piramidais, que tinham a função de abrigar o corpo mumificado daquele que era o representante divino dos deuses na terra, o próprio faraó. A primeira pirâmide construída no Antigo Egito, está localizada no deserto de Saqqara, a nordeste da cidade de Mênfis, e data do Reino Antigo (2735-2195 a.C). Ela é conhecida como a pirâmide de degraus, e foi construída pelo famoso arquiteto da antiguidade, Imhotep a pedido do faraó Djoser (2680-2660 a.C), para ser sua tumba. Porém, as pirâmides mais conhecidas atualmente, são as três pirâmides do complexo de Gizé, nos arredores da cidade do Cairo, atual capital egípcia. Tais monumentos, foram construídos pelos faraós, Quéops, Quéfren e Miquerinos durante a IV Dinastia (2575-2465 a.C.) do Reino Antigo. A maior delas, nomeada de a Grande Pirâmide de Gizé, é a do faraó Quéops, construída durante o seu reinado em 2605-2580 a.C. Considerada uma grande obra de engenharia e arquitetura da antiguidade, possui aproximadamente 146 metros de altura, e cerca de 52,9 mil metros quadrados de superfície, feita de blocos de pedra calcária, extraídas de pedreiras em Aswan e Tura. Os estudiosos acreditam que ela levou de dez a vinte anos para ser construída, pelo esforço de milhares de construtores, trabalhadores contratados, como revelam os fragmentos de papiro descobertos no antigo porto de Wadi al-Jarf, no Mar Vermelho. Esses papiros faziam parte do diário de um funcionário envolvido na construção da Grande Pirâmide, chamado Merer, tais documentos, nos revelam três meses do cotidiano deste egípcio, assim como, um pouco do processo de construção da própria pirâmide. Por vários anos a Grande Pirâmide abrigou a múmia e o enxoval funerário com as riquezas do faraó, contudo, ao longo do tempo, ela foi vítima de saque por parte de estrangeiros e dos próprios egípcios. A múmia, assim como o tesouro de Quéops foram roubados. O que restou dentro da pirâmide foi apenas um dos sarcófagos do faraó e uma pequena estatueta sua, atualmente exposta no Museu do Cairo. Em seu interior, além de várias passagens, há três compartimentos, a Câmara do Rei, a Câmara da Rainha e a Grande Galeria com 47m de comprimento e 8m de altura. Contudo, descobertas recentes, desenvolvidas pelo projeto ScanPyramids, que utilizou uma tecnologia de raios cósmicos para scanear o interior da construção, encontrou um espaço vazio de aproximadamente 47 metros de diâmetro um pouco acima da Grande Galeria. Agora, a equipe de cientistas quer desenvolver um robô para adentrar neste espaço, pois ainda não se sabe qual a função dele e nem se há algo lá dentro, apenas especulações. Milhares de anos depois, além de ser um dos pontos turísticos mais visitados do mundo e considerada Patrimônio Mundial da Unesco e uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, a Grande Pirâmide de Gizé, desperta a curiosidade humana e traz à ciência novas revelações sobre o conhecimento dos antigos egípcios. Por: Jéssica Franco – Estagiária do Museu Egípcio e Rosacruz Referências: www.seshat.com.br (cronologia) www.leitoradoantiguo.org MASPERO, G. Textos Sagrados das Pirâmides. Tradução: Raul Xavier. Editora Livros do Mundo Inteiro, Rio de Janeiro. JOHNSON, Paul. Egito Antigo. Editora Ediouro, Rio de Janeiro, 2010. SÁNCHEZ, José Luis. A História Cotidiana às Margens do Nilo. Tradução: Francisco Manhães, Marcelo Neves, Carlos Nougué e Michel Teixeira. Editora Time-Life Inc. Barcelona, 2007.

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Pensamentos do Antigo Egito: o diálogo entre o homem desesperado e o seu bá

Por Ewerson Dubiela –  Historiador do MuseuEgípcio Como produção literária dos antigos egípcios, o chamado diálogo entre o homem desesperado e o seu bá é um dos textos mais discutidos e debatidos no meio acadêmico, possuindo mais de setenta artigos e traduções com diversas explicações desde o ano de 1896. A obra foi classificada de diversas formas como, por exemplo, sendo parte de uma autobiografia de um nobre ou como a memória pós suicídio de um líder de uma revolta através de um discípulo. Mais recentemente, tem se considerado o fator de uma discussão de valor a respeito da morte e da relação entre vivos e mortos. Por qual motivo há tantas interpretações acerca de um único texto? Um dos motivos principais é o fato de ter chegado à nossa época apenas uma cópia, presente no papiro de Berlim, 3024. Tal papiro é datado da XII Dinastia (2040-1640 a.C.), possui 155 colunas verticais com a escrita hierática – esta possuía uso sacerdotal e derivava diretamente dos hieróglifos. Sua forma de grafia está bem feita, mas ainda assim possui erros e omissões, bem como outros papiros com outras histórias, e por isso pode ser uma cópia do original que deve ter sido produzido décadas antes. Quanto ao tamanho do papiro Berlim, 3024, atualmente possui de 15,9 cm à 16,4 cm de altura e 326 cm de comprimento, podendo ter perdido cerca de 66 cm de seu início. Recentemente, a pesquisadora espanhola Marina Escolano Poveda encontrou parte do início do texto que ainda está em análise. O documento foi encontrado na cidade de Luxor no ano de 1830 junto com outros três papiros, os manuscritos B1 e B2 do texto O camponês eloquente e o manuscrito B com um texto que já abordamos: o Conto de Sanehet. Sabe-se que os textos foram produzidos por diferentes escribas da época do faraó Amenenhat III (1844-1797 a.C.), pois possuem diferentes formas de caligrafia. Quem são as personagens desse conto? Primeiramente existem apenas duas personagens, o homem e o bá, o qual podem ser definidos como “ser” e “alma”. Portanto, o diálogo se desenrola pela conversa entre esses dois protagonistas. Como o início está perdido, o nosso texto começa na metade da fala do homem que demonstra um certo temor por seu bá deixar o seu corpo no dia de sua morte. Entretanto, o bá recusa a morte e o homem argumenta que sua alma deve permanecer junto dele quando o momento chegasse. Há um motivo para essa discussão estar em volta de um tema carregado como “a morte”. O homem pede duas vezes para que o Ocidente, ou seja, o mundo dos vivos, se torne mais leve, a primeira para o seu próprio bá, sua alma, e a segunda para os deuses. Observa-se que apesar do desespero do homem, ele ainda pede que sua vida terrena seja mais leve e que seu bá tenha paciência e que o deixe partir naturalmente e não de maneira forçada. Mesmo assim, o bá pensa na morte imediata, pois quer ir para o mundo dos deuses. Trata com futilidade os preparativos funerários e fala ao homem sobre as tristezas de um enterro. De maneira literária, esse momento pode ser uma crítica do autor quanto ao protocolo funerário tradicional. A partir daí, parece que há uma troca de posicionamento entre o homem e o bá, pois a alma lhe diz: “Ouve-me! Eis que é bom para um homem quando ele ouve. Sê alegre um dia, não te preocupes!” E então, defendendo a vida, a alma cita duas parábolas para incentivar o homem, a parábola do fazendeiro e a da refeição matinal. A primeira parábola trata com ênfase a morte irreparável, ou seja, aquela em que não houve chance de viver: Um homem humilde lavra seu pedaço de terra e carrega sua colheita num barco. Faz sua viagem rebocando o barco, pois se aproxima seu dia de festa. Ao ver chegar o anoitecer com o vento norte, fica vigilante no barco quando Ra se deita e assim sai com sua mulher e seus filhos, mas acontece o desastre no lago infestado de crocodilos à noite. Então ele se senta, quebra o silêncio e diz: Não choro por aquela mãe, que não pode voltar do Ocidente para viver outra vez na terra. Penso nos seus filhos quebrados no ovo, que viram o rosto do crocodilo antes de poderem viver. A segunda indica a ideia de um desejo antes da hora apropriada, que no contexto da obra se coloca como “apressar o momento da morte”. Mas também que uma situação feliz pode mudar a qualquer instante, portanto uma reflexão para aproveitar a vida. O homem humilde pede a refeição matinal, mas sua mulher lhe diz: é para o jantar. Ele sai porta afora reclamando e ausenta-se por algum tempo. Ao voltar para casa é como se fosse outro homem, sua mulher lhe implora e ele não a ouve porque continua a reclamar, sem prestar atenção a ninguém. A resposta do homem acaba se apresentando numa série de quatro poemas que, de maneira resumida, tratam de questões da moralidade egípcia daquele momento – que se encontrava em decadência. Tais poemas mencionam rebelião contra o rei, brigas entre amigos e irmãos, o desejo de morte e a impressão de repelência dos deuses. A última fala, que pertence ao bá, mostra uma reconciliação entre o homem e a alma. Esta tem um papel de apologia à vida e um compromisso final que rejeita a morte prematura e aceita a morte natural: é a morte natural que permite ao egípcio ter felicidade no outro mundo e, ao final, a reconciliação do ser. O texto é finalizado com um colofão que diz: “Acabou do princípio ao fim, tal como estava no escrito”. Assim, o texto é em termos atuais, bastante filosófico, um pensamento sobre vida e morte, um ensinamento de uma parte da cultura egípcia antiga. Busto do faraó Amenenhat III – XII Dinastia – Museu do Cairo – Cairo – Egito. Representação do Bá da rainha Nefertari – XIX Dinastia – Tumba de

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O Conto do Náufrago

Foi durante o período que conhecemos como Reino Médio (2040-1640 a.C.) que a literatura egípcia floresceu. Até o Primeiro Período Intermediário (2134-2040 a.C), grande parte dos textos eram autobiografias, presentes nas tumbas da elite egípcia, ou referências religiosas, como o Texto das Pirâmides. Durante o Reino Médio o acesso a escrita tornou-se mais próxima da elite, e textos utilizados no processo de aprendizado da língua egípcia foram elaborados. Assim, a literatura que passou a ser criada nesse momento estava associada à formação dos escribas e também tinha a intenção pedagógica de transmitir um ensinamento, geralmente relacionado as regras sociais, para os aprendizes. Com essa intenção, chegaram até nós hinos e narrativas sobre a vida e a moral egípcia, além de histórias fantásticas, como é o caso do Conto do Náufrago que aqui apresentamos. O Conto do Náufrago, também conhecido como “A Ilha da Serpente”, foi escrito durante a segunda metade da XII dinastia, entre 1878 e 1797 a.C., nos reinados de Senusret III ou Amenenhat III. Os títulos são modernos, pois dificilmente os egípcios davam nomes para os seus textos. Embora, possivelmente, tenha sido copiado por muitos apendizes de escribas que passavam pelo processo de ensino, conhecemos apenas um único manuscrito com o conto em questão, o papiro Ermitage 1115, presente na coleção do Museu Pushkin, em Moscou – Rússia. Produzido em hierático, escrita egípcia utilizada principalmente em papiro, possui 3,80 metros de comprimento por 12 cm de largura. Foi transcrito para caracteres hieroglíficos em 1913, por Golénischeff, pesquisador que encontrou o papiro em um armário do Museu Hermitage, em São Petesburgo, em 1881. Desde então, tem sido interpretado por vários egiptólogos que se dedicam à literatura do Egito Antigo. O conto apresenta-nos três personagens: o comandante de uma embarcação -possivelmente responsável por uma missão real à Núbia, o companheiro excelente que narra a história e o deus serpente. No conto há três histórias relacionadas a cada uma das personagens. No início o capitão da embarcação demonstra sua preocupação, ao passo que o companheiro excelente, que também é o narrador da história tenta animar o seu interlocutor. Assim, decide contar uma história que ocorreu consigo em um momento de desespero, quando único sobrevivente de um naufrágio no Nilo acabou indo parar em uma ilha. Neste lugar, depois de três dias sozinho, encontra-se com uma serpente gigante, senhor da Ilha do Ka, onde nada faltava. A serpente que tinha os atributos dos deuses como a barba de lápis lazuli e corpo de ouro, o ameaça caso não contasse como fora parar ali. Após a serpente escutar sua história como único sobrevivente de um acidente que havia ocorrido com uma embarcação que levava os marinheiros mais experientes do Egito, a serpente também narra a sua própria história. Conta que na ilha viviam setenta e cinco serpentes como ela, até que uma catástrofe ocorreu e ela era também a única sobrevivente do ocorrido. O deus serpente profetiza que o náufrago passaria um tempo na ilha, até que fosse resgatado e morreria em solo egípcio, junto de sua família. A profecia cumpre-se e quando o náufrago está pronto para retornar, a serpente o presenteia com diversos produtos muito valorizados pelos egípcios. Quando chegou ao Egito foi recebido pelo faraó e concedeu os presentes da serpente ao rei, sendo igualmente presenteado com duzentos servos. O comandante que havia escutado a história, não acredita que com ele a situação será igual e permanece pessimista quanto ao seu fim. Os textos elaborados durante o Reino Médio, como dissemos, tinham como uma de suas missões o ensinamento, mas o que um conto ficcional como esse poderia ensinar sobre a moral e a cultura egípcia? Por exemplo, expressões utilizadas no conto mostram a importância de saber ouvir para o egípcio, esta era uma virtude da qual dependia a vida social. Também o risco de morrer fora do Egito e longe da família que não poderia realizar as cerimônias relacionadas à crença na vida além-túmulo. Pesquisadores como Telo Ferreira Canhão e John Baines acreditam que ele possui uma interpretação literal e outra simbólica, na qual informações sobre a religião egípcia estão presentes, porém apenas os iniciados no conhecimento religioso poderiam compreender. Entre outras informações importantes podemos destacar o nome da ilha: Ka era a palavra egípcia para a energia vital do indivíduo, bem propício para um local que no conto representa a fartura de alimentos. Outro ponto importante é que a serpente é também mencionada como governador de Punt, região da qual provinha desde o Reino Antigo a mirra, o incenso e outras substâncias aromáticas, bem como ouro, marfim, madeiras exóticas e diversas espécies animais, locais ou provenientes de outras regiões africanas. Este era um território parceiro comercial do Egito Antigo e foi referenciado até a época Greco-Romana. Outro fato incomum relacionado ao Conto do Náufrago é ter a assinatura do escriba que o copiou, Amenaá, filho de Ameni. Dificilmente encontramos o responsável pela cópia do texto. Esse fato pode nos levar a pensar que ele, ou seu pai, foram pessoas importantes em seu período. Também se acredita que havia uma introdução ao conto hoje perdida e que explicaria melhor as personagens e o drama do comandante da embarcação. Outros aspectos sobre a sociedade egípcia antiga podem ser encontrados no Conto do Náufrago, pois como dissemos, esses textos dedicavam-se a formação de futuros escribas. Assim, encontramos neste conto componentes mitológicos em relação a interação do náufrago com a divindade, o pensamento religioso egípcio, além de preceitos sobre a conduta em sociedade. Por: Vivian Noitel Valim Tedardi – Historiadora   Wladimir Golenischeff que encontrou o papiro no Museu Imperial de São Petesburgo e o traduziu pela primeira vez Bibliografia ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade: a literatura no Egito faraônico. UNB, Brasília, 2000. BAINES, Jhon. Interpreting the Story of the Shipwrecked Sailor. Journal of Egyptian Archaeology, 1990. p.55-72. BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. O Conto do Náufrago – Papiro Ermitage 1115. Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. CANHÃO, Telo Ferreira. O Conto do Náufrago – um olhar sobre o Império Médio.

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O conto de Sanehet

Ewerson Dubiela Historiador do Museu Egípcio O conto de Sanehet – conhecido também por Sinuhê – é um dos mais antigos textos de criação dos egípcios. Sanehet é protagonista dessa saga da literatura nilótica, entretanto não há provas de sua existência, tampouco imagens que possam ilustrá-lo. Assim, apenas os textos desse conto nos chegaram com seu nome. A coletânea é datada da XII Dinastia (1991-1793 a.C.), mas muitas das fontes são de períodos posteriores. A cópia mais conhecida e utilizada pelos pesquisadores que desejam fazer traduções e análises é o papiro de Berlim P3022, além de contarem com o Papiro Ramesseum (Berlim 10499). Os dois estão fragmentados, mas se completam e nos oferecem o texto na íntegra. O nome da personagem Sanehet pode ser traduzido como “Filho do Sicômoro”. Mas, afinal de contas, quem foi Sanehet? Como vimos antes, não há provas da existência dessa personagem, entretanto, ao iniciar o texto, o protagonista se apresenta como um shemesu, ou seja, um membro militar de elite, encarregado da proteção da princesa Neferu, filha do faraó Amenenhat I e esposa do príncipe Senusret I. Fora isso, o nosso personagem declara-se de serviço nas terras dos tjemehu, um povo estrangeiro de provável localização na atual Líbia – à oeste do Delta do Nilo. É provável que Amenenhat I tenha sido assassinado, sabe-se disso por conta de outra história: as instruções de Amenenhat para Senusret – no Conto de Sanehet, o motivo da morte do rei não é mencionado. Ao ouvir sobre a morte do faraó, Sanehet ficou apavorado e esse medo o levou à uma fuga que só terminaria quando estivesse idoso. O motivo também não é relatado e apenas podemos pensar sobre uma conspiração a qual o nosso protagonista ficou a par de alguma forma. Fugindo, Sanehet declara os lugares por onde passou até chegar às cidades de Qeden (possível bíblica Jericó) e Biblos, seu destino final. Nessa última cidade, ele conhece o príncipe Amunenshi que o acolhe, lhe dá terras, riquezas, uma tribo e sua própria filha em casamento. A terra, chamada Iaa, é descrita no conto como um lugar onde “havia figos e também uvas, e tinha mais vinho do que água. Seu mel era copioso e seu azeite abundante. Em suas árvores havia toda espécie de fruta. Também havia ali muita cevada e trigo, e os rebanhos de todo tipo eram inumeráveis”. E assim, Sanehet viveu em terras estrangeiras sendo um homem de confiança do príncipe Amunenshi. Entretanto, não esperava o dia em que “um homem forte do retenu” o desafiasse, afinal, além de deter a confiança de Amunenshi, era também um Shemesu egípcio, um soldado de elite. Durante a noite, Sanehet preparou-se para o duelo iminente, relatando-o e descrevendo como venceu o guerreiro estrangeiro. Com o calor da batalha já superado, o nosso protagonista tem um sentimento de saudade por sua terra natal e pede para que o deus que o tirou do Egito tenha misericórdia e permita que ele possa voltar para casa. No texto, o nome desse deus não aparece e mesmo Sanehet o desconhece, ele diz: “qualquer que tenha sido o deus a ordenar essa fuga, tem misericórdia e leva-me de volta para a Residência! Decerto deixarás que eu reveja o lugar onde mora o meu coração!”. O episódio da batalha contra o “homem forte de Retenu” parece ter ficado famoso mesmo naquela época, pois o conto de Sanehet indica que o rei Senusret ouviu falar da situação da personagem e assim, lhe enviou uma carta questionando o antigo soldado sobre sua fuga do Egito e ordenou que voltasse à terra natal. Senusret I sabia que Sanehet não era culpado pela morte do antigo faraó, Amenenhat I – mesmo assim, a personagem se desculpa por ter fugido e acata a ordem do rei egípcio. O último dia do protagonista na terra de Iaa foi marcado pela divisão dos seus pertences para os seus filhos, onde o mais velho ficou no comando da tribo. Sanehet fez seu caminho de volta ao Egito, onde foi recepcionado pelas tropas de Senusret na fronteira egípcia e levado à capital, It-Tawy, aonde a família real o aguardava. Quando chegou, o confundiram com um asiático, mas foi barbeado, penteado, vestiu roupas egípcias e logo voltou a ser o egípcio que servira ao seu rei vários anos antes. Sanehet ganhou uma casa e uma tumba para preparar-se para o outro mundo. Terminou sua vida já idoso e perdoado pelo faraó. Esse texto foi efetivamente conhecido pela classe dos escribas ao longo de mais de 700 anos. O mesmo foi produzido durante um período em que as Instruções, textos que demonstram valores e a moral egípcia, foram escritas e nessa modalidade, a coletânea também transmite formas de mostrar ao leitor a vida ideal egípcia e a sabedoria real e divina. Por isso, essa produção é a mescla de uma possível autobiografia egípcia, instruções de sabedoria e rituais de renovação divina. Papiro Berlim 3022 com o Conto de Sanehet Lintel de Amenenhat I.

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O Faraó Narmer: Senhor das Duas Terras

  Predominantemente desértica, a região onde se encontrava o Egito Antigo tinha pouca vegetação, que se concentrava principalmente às margens do rio Nilo. Esse fato levou os egípcios a abandonarem seus comportamentos nômades e se assentarem em territórios próximos ao rio, chamados de “nomos”. Esses grupos passaram a se unir no decorrer do período chamado de Pré-dinástico, fosse de maneira pacífica ou por meio de conflitos. Esse processo se deu até que se formassem dois principais reinos: o Alto Egito, a região do vale do rio Nilo; e o Baixo Egito, a região do delta do rio Nilo. Essa configuração se manteve até aproximadamente 3100 a.C., quando o Egito foi então unificado, provavelmente pelo faraó Narmer, rei do Alto Egito. A unificação do Egito que ocasionou a fundação da primeira dinastia é um fato do qual muitos têm conhecimento. Entretanto, saber quem foi realmente seu principal responsável é um problema bastante recorrente até mesmo para os estudiosos do Egito Antigo na atualidade. As hipóteses mais comuns são de que o faraó unificador possa ter sido Narmer, Menés ou Aha, todos nomes de governantes encontrados em diversas fontes. A comunidade de egiptólogos considera atualmente que o mais provável é que o unificador seja Narmer, pois, a Paleta de Narmer, a principal fonte que se tem daquele período, nos dá essa pista. A Paleta de Narmer vem sendo interpretada de diversas formas pelos egiptólogos desde que foi encontrada, no final do século XIX. Esses pesquisadores tentam resolver numerosas e diferentes questões, desde as origens políticas do Estado egípcio à natureza da arte e escrita egípcias. Descoberta em 1898 em Hieracômpolis, a antiga cidade de Nekhen, a Paleta que possui formato de escudo e foi feita em pedra escura e esverdeada, com 63 cm de altura e decoração em relevo esculpido em ambas as faces, geralmente é datada como sendo do início do período dinástico arcaico (c. 2920-2770 a.C). O conteúdo complexo que a decoração da Paleta traz, suas imagens e inscrições, incorporam uma série de aspectos altamente característicos da arte faraônica. A representação das pessoas e animais como uma combinação de elementos frontais e laterais e o uso do tamanho como meio de indicar o nível de importância de cada indivíduo, estabelece a iconografia como demonstração de poder. Na parte frontal da Paleta de Narmer há uma representação de leões de pescoço comprido entrelaçados sendo domados por dois homens. Esses animais “domados” podem representar especificamente a unificação das duas metades do país, que é um tema recorrentemente presente na arte e textos egípcios ao longo do período faraônico. O círculo formado pelos pescoços entrelaçados desses animais cria engenhosamente uma depressão no centro da Paleta, onde os pigmentos para a pintura dos olhos poderiam ser triturados (o propósito original desses tipos de paleta), entretanto, não há claros indícios se esse artefato cerimonial era realmente utilizado para essa função. Objetos rituais como a Paleta de Narmer, muito provavelmente, transcendiam seu suposto uso, pois assumiam, por exemplo, o papel de oferendas, dedicadas ao templo de Hieracômpolis. Ao analisar o conteúdo dessa face da Paleta, vemos o faraó participando de uma procissão com outras seis pessoas, incluindo duas figuras que têm metade do seu tamanho. Estes dois homens, evidentemente representam funcionários de alto escalão. O rei e seus servos estão revisando os corpos decapitados de seus inimigos, presumivelmente derrotados em batalha. No registro superior na frente da Paleta, acima dos animais entrelaçados, há a figura do faraó egípcio Narmer entre duas cabeças de vaca, que representam a deusa Bat. Narmer é mostrado com a chamada Coroa Vermelha, que representa seu domínio sobre o reino do Baixo Egito. Enquanto que na outra face da Paleta, vemos em destaque a figura do faraó utilizando a coroa do reino do Alto Egito. Nesse sentido, percebemos a grande importância desta Paleta para compreendermos melhor a figura de Narmer e a união entre o Alto Egito e o Baixo Egito como um único reino, sob o poder deste rei. Além do que vemos nas imagens da Paleta de Narmer, outro indício que complementa a teoria de que o rei foi o unificador do Egito é a interpretação de seu nome. O arqueólogo Flinders Petrie (1853-1942) foi um dos primeiros a afirmar que Narmer e Menés seriam uma única pessoa, o primeiro faraó da primeira Dinastia e que os dois nomes designavam um só homem: Narmer era seu nome, representado foneticamente pelos hieróglifos do peixe-gato (nr) e do cinzel (mr), uma interpretação do nome do deus Hórus; e Menés era um título honorífico ou algo semelhante, que significaria “aquele que perdura”. A Paleta de Narmer está exposta atualmente no Museu Nacional Egípcio do Cairo. No Museu Egípcio e Rosacruz há uma réplica da Paleta feita em tamanho real e que pode ser vista pelos visitantes. Por Jessica Cabral – Monitora do Museu Egípcio e Rosacruz   Referências CERVELLÓ-AUTUORI, Josep. The Thinite “Royal Lists”: typology and meaning. Disponível em: <http://pagines.uab.cat/iepoa/sites/pagines.uab.cat.iepoa/files/Cervello-Autuori_Toulouse-Abstract.pdf>. Acesso em: 23/08/2017. ______________. Was King Narmer Menes?. Archéo-Nil. vol. 15, 2005. Disponível em: <biblio.ebaf.edu/cgi-bin/koha/opac-ISBDdetail.pl?biblionumber=316185>. Acesso em: 20/09/2017. MERTZ, Barbara. Temples, Tombs and Hieroglyphs: A popular history of Ancient Egypt. HarperCollins e-books. 2007. MUSEU EGÍPCIO E ROSACRUZ. Paleta de Narmer. Tesouros do Museu. Disponível em: <https:/tesourosdomuseu/paleta-de-narmer/>. Acesso em: 15/09/2017. SHAW, Ian. Ancient Egypt: A very short introduction. Oxford, 2004. pp.1-9. _________. The Oxford History of Ancient Egypt. Nova York: Oxford University Press, 2000.

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Nefertiti – A Bela Chegou

Nefertiti, que significa “a bela chegou”, foi o nome de uma famosa rainha que viveu no Antigo Egito no período designado Amarniano, na XVIII Dinastia (1550-1307 a.C) Ela foi a Grande Esposa Real do faraó Amenhotep IV (1353-1335 a.C), que ficou mais conhecido na história pelo nome de Akhenaton. O retrato mais célebre de Nefertiti é seu busto que atualmente encontra-se exposto em Berlim, na Alemanha. O artefato foi descoberto em 1912 por uma expedição alemã no ateliê do escultor egípcio Tutmés, em Tell-el-Amarna, junto com outras peças do período Amarniano. A escavação arqueológica que encontrou o mais famoso retrato da rainha foi empreendida pela Equipe Arqueológica da Sociedade Oriental Alemã, sob a liderança do pesquisador Ludwig Borchardt. Acredita-se que o busto servia de modelo para outras esculturas de Nefertiti. As origens familiares da rainha ainda geram controvérsias, alguns pesquisadores creem que ela talvez pudesse ser uma princesa mitanni, que chegou ao Egito e foi nomeada Nefertiti, o que é bem sugestivo, diante do significado de seu próprio nome. Contudo, pesquisas mais recentes indicam que ela era filha de Ay, irmão da rainha Tiye, a Grande Esposa Real do pai de Akhenaton, o faraó Amenhotep III (1391-1353 a.C). Portanto, Nefertiti e Akhenaton eram primos, e provavelmente estavam destinados a se casar desde crianças. Sobre sua mãe há embates, pois Nefertiti possuía uma ama-de-leite chamada Ty, porém, alguns acadêmicos acreditam que Ty não era apenas sua ama-de-leite e sim, sua mãe. Nefertiti desempenhou um papel significante no governo de seu marido, que empreendeu uma reforma religiosa, cultural e, por conseguinte, política no período em que viveu. Akhenaton, descontente com a grande influência que exerciam os sacerdotes de Amon em seu governo, resolve transformar a religião egípcia em uma monolatria, ou seja, a partir disso o deus Aton seria o único deus egípcio a ser cultuado, junto à imagem do faraó e de sua esposa. Dessa forma, Akhenaton também mudou a capital egípcia para uma cidade construída por ele e por Nefertiti, a cidade de Akhetaton. O faraó Akhenaton que até então se chamava Amenhotep IV, adota seu novo nome e Nefertiti adiciona o epíteto Neferneferuaton que significa “bela é a beleza de Aton”. Passando a se chamar então, Nefertiti-Neferneferuaton. A partir desse momento, a iconografia egípcia também sofre modificações, na estética e na forma de representar seus governantes. Não era protocolo no Egito Antigo representar cenas do faraó com sua família em sua vida privada. Contudo, no período Amarniano, começam a ser produzidas cenas do casal com suas filhas, de forma a representar a cumplicidade e a intimidade da família. Entre estas representações, uma das mais famosas também está exposta em Berlim. Nela, encontra-se representada Nefertiti e Akhenaton, o casal solar, com suas filhas sob os raios do deus Aton. Nesse sentido, a rainha desempenhou papel importante nos cerimoniais ritualísticos do novo culto criado por seu marido. Tal fenômeno é constatado por exemplo, nas imagens em que Nefertiti aparece adorando o deus Aton junto a seu marido Akhenaton, e também nos relevos em Karnak, nos quais a rainha aparece fazendo oferendas ao deus, mesmo sem a presença do faraó. Demonstrando assim, a postura ativa de Nefertiti no culto a Aton. Por volta do 14º ano do reinado do faraó Akhenaton, a figura de Nefertiti desaparece dos registros e as pistas acerca desse desaparecimento dão origem a várias hipóteses. Permeiam teorias de que ela teria morrido, ou então se tornado faraó depois que seu marido morreu. Segundo esta hipótese, nos últimos dois anos do reinado de Akhenaton, um faraó chamado Neferneferuaton-Smenkhkara assumiu o trono, contudo, não há comprovações suficientes para validar essa teoria. Em 2003 um documentário produzido pela Discovery Channel intitulado “Nefertiti Revelada” sobre as pesquisas da egiptóloga Joanne Fletcher sugeriam que uma múmia encontrada na tumba KV35 no Vale dos Reis seria da própria rainha. Porém, a arcada dentária da múmia foi identificada como sendo de uma mulher com aproximadamente vinte e cinco anos quando morreu. Portanto, seria muito pouco provável que ela fosse Nefertiti. Sendo assim, o paradeiro da múmia da rainha ainda é desconhecido. Contudo, a figura de Nefertiti ficou muito conhecida na história, como a de uma rainha bela e devotada ao seu marido e a sua religião. Jéssica Franco –  Monitora do Museu Egípcio e Rosacruz   Referências: Costa, Márcia Jamille. Nefertiti e Akhenaton: o casal egípcio impossível de ser ignorado. Disponível em: www.arqueologiaegípcia.com.br. Noblecourt, Christiane Desroches. A mulher no tempo dos faraós. Tradução: Tânia Pellegrini. Editora Papirus, São Paulo, 1994. Scoville, Priscila. Rainhas de Amarna: a influência de Tiye e Nefertiti no governo de Amenhotep IV/ Akhenaton. NEARCO- Revista de Antiguidade, 2015, Ano VIII, Número II. Núcleo de Estudos da Antiguidade, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2015. www.amarnaproject.com www.seshat.com.br        

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Tutankhamon – O faraó menino

Por Arthur Fanini Carneiro Tutankhamon foi faraó durante a XVIII Dinastia (c. 1550-1307 a.C.), sucedendo seu pai Akhenaton, governante responsável pela reforma amarniana. Nesta passou-se a cultuar um único deus, Aton – representação do disco solar. Quando Akhenaton morreu o culto a Aton foi abandonado e após uma conturbada sucessão ao trono, o jovem príncipe Tutankhamon, filho de uma segunda esposa do faraó, ascendeu ao governo com a idade entre nove e dez anos. Durante seu governo Tutankhamon reabriu os templos e retomou os cultos abolidos por seu pai, em especial ao deus Amon. Seu nome enquanto vivia na corte de Akhenaton era Tutankhaton que fazia alusão ao nome do deus Aton. Com o retorno às antigas crenças o jovem faraó alterou seu nome para a forma mais conhecida: Tutankhamon que significa “ imagem viva de Amon”. Tutankhamon casou-se com sua meia-irmã, Ankhesenamon, que era filha de Akhenaton e Nefertiti. Devido à idade do jovem soberano, a administração política e econômica ficou sob controle do vizir conhecido como Ay, o qual teve o apoio militar do principal comandante do Egito na época, o general Horemheb. Durante o reinado de Tutankhamon, a política externa foi restaurada e as relações com os vizinhos do Egito melhoradas. Mesmo assim, tendo sido um governo diplomático e tendo relações exteriores bem-sucedidas, batalhas ocorreram entre egípcios, núbios e asiáticos sobre o território que controlava as rotas de comercio. Tutankhamon ordenou reparações de templos sagrados como a continuação da construção do templo de Karnak, em Luxor, a antiga Tebas.  Uma rara imagem do faraó Tutankhamon em seu papel oficial como governante se localiza na tumba de seu vice-rei, Amenhotep Huy, na Nubia. Nela podemos ver o jovem rei realizando seus deveres oficiais sozinho. O papel do vice-rei era manter o ouro fluindo da Nubia para o Egito, ouro que seria utilizado tanto no ataúde quanto na máscara mortuária do faraó. Entre dezenove e vinte anos de idade Tutankhamon faleceu. Seu corpo levou setenta dias para ser mumificado por completo, e esse foi o tempo que os trabalhadores tiveram para os preparativos de sua tumba. Seu corpo foi transportado de balsa pelo Nilo até o local de seu sepultamento no Vale dos Reis. Tutankhamon não deixou herdeiros. Ankhesenamon era a única herdeira real viva, e após a morte de seu marido casou-se com o vizir Ay, tornando-o o novo faraó. Ay teve grande influência no reinado de Tutankhamon. Aconselhava o rei, ministrava a justiça e controlava a entrada ao palácio. Apesar de seu curto governo, Tutankhamon é um dos faraós mais famosos da história egípcia, não tanto por seus atos políticos, mas por sua tumba descoberta em 1922, por Howard Carter, que revelou uma grande riqueza em termos de objetos funerários e cotidianos a qual nenhuma outra tumba real possui.         Detalhe do trono de Tutankhamon. Original: Museu Egípcio – Cairo   Máscara do Tutankhamon. Original: Museu Egípcio – Cairo.   Tumba de Amenhotep-Huy – Amenhotep-Huy com o rei Tutankhamon   Referências Bibliográficas BRIER, Bob. O Assassinato de Tutancâmon. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001. CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2004. CARTER, Howard. The Tomb of Tutankhamun. London: Ed. Bloomsbury, 2014. CARTER, Howard e MACE, A.C. A Descoberta da Tumba de Tutankhamon. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2004. COELHO, Liliane Cristina. Mudanças e Permanências no Uso do Espaço: A cidade de Tell El-Amarna e a questão do urbanismo no Egito Antigo. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015. 308f. DODSON, Aidan. Amarna Sunset: Nefertiti, Tutankhamun, Ay, Heremheb, and the Egyptian Counter-Reformation. Cairo: AUC Press. 2009. FRONZA, Vanessa. Ações restauradoras de Tutankhamon: a retomada de Tebas como principal centro religioso do Egito após a reforma amarniana. Revista Plethos, Niterói, 3, 2, 2013. p.105-118. HANKEY, Julie. A Passion for Egypt. London: Ed. Publishers, 2001. JOHNSON, Paul. Egito Antigo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. MELLA, Federico A. Arborio. O Egito dos Faraós. São Paulo: Editora Hermus, 1998. PRICE, Bill. Tutankhamun: Egypt’s most famous Pharaoh. Herts: Ed. Pocket Essenials, 2007.    

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TUTMÉS III: “O Napoleão do Egito Antigo”

Por Jessica Cabral – Estagiária do Museu Egípcio e Rosacruz O faraó era o símbolo máximo de poder na sociedade egípcia. Era revestido com suas insígnias de poder, como as coroas e os cetros. Além disso, o faraó era encarregado de fazer reinar Maat na terra. Mas, o que isso significa? Filha do deus Ra, Maat era a deusa que representava um conceito divinizado na sua figura, a Ordem, que devia ser garantida pelo faraó, para que o mundo funcionasse de maneira harmoniosa. Portanto, o dever principal do faraó enquanto governante era manter Maat. Sendo esse o papel fundamental dos faraós, Tutmés III, assim como seus antecessores, também tinha seu poder legitimado pela mitologia egípcia. Tutmés III “Menkheperre”[1] foi o quinto faraó da XVIII Dinastia, durante o período chamado Reino Novo, governando de 1479 até a sua morte, aproximadamente em 1425 a. C.. Esse faraó em questão é relativamente conhecido por dois fatores que marcaram sua trajetória. O primeiro fator é a chamada corregência, que acabou acontecendo por conta da ascensão muito prematura de Tutmés III ao trono, seguida de uma mudança política gradual promovida por sua tia, a rainha Hatshepsut. E, o segundo fator é o que lhe concede o título de “Napoleão do Egito Antigo”, título a ele conferido na contemporaneidade graças às numerosas campanhas militares e conquistas territoriais que fez durante seu reinado, sendo, portanto, uma associação direta ao conquistador francês do início do séc. XIX, Napoleão Bonaparte. Sabendo dessas primeiras informações, podemos concordar que Tutmés III e seu período de reinado se torna, no mínimo, curioso, não é mesmo? Tutmés III reinou por mais de 50 anos, era filho de Tutmés II e foi nomeado faraó pelo oráculo na regência de sua tia. Conta-se que em uma certa ocasião, “o deus Amon havia forçado os portadores da arca sagrada a ajoelhar-se durante o festival de celebração. A arca então saudou dentro do templo, o infante príncipe Tutmés, que servia a um tipo de culto separado e reservado aos príncipes do Egito. Amon e os portadores da arca sagrada se prostraram em frente ao príncipe e então, Tutmés III levantou-se para tomar seu trono”. Sendo ainda criança, Tutmés III, apesar de ser o escolhido, não era capaz de dar conta às tarefas de um faraó, de maneira que a rainha Hatshepsut, assumiu o poder em uma regência institucionalizada a partir da coroação do jovem rei. Além disso, Tutmés III casou-se com Neferura, filha da rainha Hatshepsut, porém, a princesa morreu prematuramente. Apesar da pouca idade, Tutmés III é representado utilizando as roupas e coroas de um rei e continuou contando seus anos de reinado sem exercer o poder efetivamente. Essa situação perdurou do sétimo ao vigésimo-segundo ano de reinado de Tutmés III, quando Hatshepsut desaparece dos registros. Em seu governo, Tutmés III regulou as relações internas no Egito, configurou os padrões para os vizirs, que eram governantes locais, e para as cortes oficiais, reforçando sua imagem enquanto soberano legítimo, acabou decidindo pela destruição dos monumentos à Hatshepsut após 15 anos do desaparecimento da rainha. Talvez essa ação de Tutmés III tenha sido uma tentativa de legitimar o futuro governo de seu filho Amenhotep II, e não permitir que outros descendentes reclamassem o trono. Já nas relações externas, a mudança foi ainda mais expressiva. Pesquisadores alegam que o faraó Tutmés III conduziu algumas campanhas militares ainda durante o reinado de Hatshepsut, e gastou um bom tempo no preparo das forças terrestres e navais do Egito para suas próprias expedições. Ele iniciou de fato o seu reinado atacando o rei de Kadesh e seus aliados numa região do norte mediterrânico. Conquistou e batalhou em territórios estrangeiros com o objetivo de reestabelecer o domínio egípcio. Ele conduzia seus próprios regimentos, enviando barcos para a costa palestina para explorá-la e encarando exércitos como na batalha de Megido, na Ásia Menor. Tutmés III foi um dos maiores generais egípcios da história, o que leva algumas pessoas a compararem-no com Napoleão Bonaparte, que conduziu exércitos e levou a França a conquistar outros territórios, consolidando um Império na primeira metade do século XIX. Tutmés III conquistou terras do rio Nilo ao rio Eufrates e carregava em sua sombra o imperialismo egípcio. A hegemonia egípcia que tinha se consolidado com suas bem-sucedidas campanhas militares, foi concretizada em outros territórios pelo estabelecimento de um sistema de controle: as cidades da Sírio-Palestina, embora preservando certa autonomia, foram sujeitadas a pagar impostos às tropas egípcias colocadas em locais estratégicos. Além do pagamento de impostos, alguns príncipes estrangeiros eram levados ao palácio para serem educados à maneira egípcia e algumas princesas se casavam com o faraó para reforçar essas relações com os povos conquistados. Ele morreu ao 55º ano de reinado e foi enterrado em sua tumba no Vale dos Reis, descoberta em 1898, pelo egiptólogo francês Victor Loret. A tumba do faraó foi decorada com registros do Amduat que são uma versão do Livro dos Mortos utilizada principalmente em tumbas de faraós durante o Reino Novo. No entanto, apesar da tumba pertencer a Tutmés III, sua múmia foi encontrada entre outras múmias de faraós num esconderijo em Deir el-Bahari, em 1881. Atualmente, a múmia de Tutmés III encontra-se exposta no Museu do Cairo, no Egito. [1] Também chamado como Tuthmés ou Thoutmosis: formas gregas do nome egípcio [Djehoutymosé], que significa algo como “o deus Toth fez nascer o mundo”.   Acesso à tumba de Tutmes III no Vale dos Reis TUTMÉS III “O Napoleão do Egito Antigo”   Faraó Tutmes III – Museu de Luxor, Egito.   Acesso à tumba de Tutmes III no Vale dos Reis   REFERÊNCIAS: BUNSON, Margaret R. Encyclopedia of Ancient Egypt. FactsOnFile. New York. 2002. BAINES, J.; MALEK, J. Atlas of Ancient Egypt. AUC Press: Cairo. 2002. CERNIVAL, Jean-Louis de. Les Annales de Thoutmosis III. Département des Antiquités égyptiennes – Museé du Louvre: Croyances religieuses et funéraires. Disponível em: <http://www.louvre.fr/oeuvre-notices/les-annales-de-thoutmosis-iii>. DESPLANCQUES, Sophie. Egito Antigo. Porto Alegre: L&PM, 2009. DUBIELA, Ewerson Thiago silva. A análise do “homem de Estado” na Figura de Hatshepsut, rainha

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CLEÓPATRA VII- “rainha dos reis”

Por: Jéssica Franco – monitora do Museu Egípcio e Rosacruz Cleópatra VII théa philopator, que em grego significa “deusa que ama seu pai” foi a última rainha do Egito antes da conquista e anexação do território egípcio por Roma. Cleópatra pertencia a dinastia Ptolomaica, ela nasceu em Alexandria em 69 a.C, seus pais eram Ptolomeu XII Aulete (80 – 51 a.C.), sua mãe não se sabe ao certo. Era a segunda filha de cinco irmãos. Com a morte de seu pai em 51 a.C., Cleópatra então com dezoito anos, subiu ao trono como rainha regente com seu irmão Ptolomeu XIII (51- 47 a.C.). Apesar dos alexandrinos não estimarem muito os romanos, foi a dois deles que a vida de Cleópatra ficou intimamente ligada. Júlio César (100- 44 a.C.) conheceu a jovem quando ela foi exilada de Alexandria acusada pelo séquito de seu irmão de conspirar para governar sozinha. O romano chegou à cidade alexandrina em 48 a.C. e foi surpreendido com a ousadia da jovem, quando ela pediu a seu servo fiel, Apolodoro, entregar um saco de estopa ao general como um presente, e dentro dele, Cleópatra se encontrava escondida. Cleópatra se tornou aliada política de Júlio César, e mais do que isso, os dois se tornaram amantes. O fruto desta relação se chamaria Cesário, ou pequeno César, como os egípcios chamavam o filho do casal. Depois do assassinato de Júlio César em 44 a.C. pelos conspiradores do Senado romano, houve a aproximação entre ela e Marco Antônio, cônsul romano que lutou ao lado de Júlio César na guerra civil romana. Os dois também se tornariam amantes e teriam três filhos. Foi junto a Marco Antônio que Cleópatra empreendeu uma guerra contra Otávio, sobrinho de Júlio César e rival dos amantes. Derrotados, ambos se suicidaram. O suicídio da rainha se tornaria lenda, segundo a hipótese mais aceita, ela teria se suicidado pela picada de uma serpente, assim, foi vítima de uma morte rápida e digna, pois não sofreria a humilhação de ser prisioneira de seu inimigo. Depois de dois mil anos a figura de Cleópatra ainda desperta o interesse e a imaginação do mundo. A repercussão que essa personagem histórica teve nas artes, na literatura, no cinema e no teatro foi imensa. Contudo, as fontes sobre a verdadeira Cleópatra são escassas, além da propaganda negativa sobre ela empreendida por Otávio, inimigo político de Cleópatra. Por isso, grande parte das fontes utilizadas para formatar a imagem dela tratam-se de documentos romanos posteriores a sua morte. Portanto, apesar de toda a sua fama, a rainha ainda continua sendo um enigma na história. As únicas fontes mais precisas sobre sua aparência são moedas cunhadas a mando da própria rainha que contém seu busto. Através das poucas fontes egípcias que resistiram ao tempo e a destruição por seus inimigos, é que Cleópatra legitimava-se perante o seu povo através de uma estreita ligação com as deusas Ísis e Háthor. Em seu governo ela também enfrentou crises econômicas, mas estabilizou a economia, aumentou significativamente o acervo da biblioteca de Alexandria, estimulou as artes, a filosofia e o conhecimento. Realizando uma política externa eficiente, manteve o Egito independente por mais de vinte anos até que ele se tornasse uma província romana em 30 a.C.         Morte de Cleópatra-1874 por Jean-Andre CLEÓPATRA VII- “rainha dos reis”[1] [1]  Título dado a ela por Marco Antônio na cerimônia do Ginásio (34 a.C, Alexandria). Referências: HUGHES-HALLETT, Lucy. Cleópatra: histórias, sonhos e distorções. Tradução: Luiz Antonio Aguiar. Editora Record, São Paulo, 2005. SCHWENTZEL, Christian-Georges. Cleópatra. Tradução: Paulo Neves. Editora L&PM Pocket, Porto Alegre, 2009. SCHIFF, Stacy. Cleópatra: uma biografia. Tradução: José Rubens Siqueira. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2011. www.seshat.com.br

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Anúbis – O Senhor do Embalsamamento

  Por: Arthur Fanini Carneiro –  Monitor do Museu Egípcio e Rosacruz A divindade representativa da mumificação, Anúbis, é o senhor do embalsamamento, seu nome vem do grego Ἄνουβις (Anupu), mas o povo egípcio o chamava de Inpw que significa abridor dos caminhos, era representado na sua forma antropozoomórfica com cabeça de chacal e corpo de homem ou um chacal deitado. De acordo com a crença egípcia, o falecido depois de mumificado, renasceria no mundo dos mortos e passaria a eternidade com os deuses. Os mitos e lendas do Egito Antigo se referem a Anúbis com a forma de canídeo, uma espécie de “cão”, pois observavam que essa espécie de cachorro, o chamado “chacal”, habitava a região desértica ocidental do vale do Nilo, próxima as necrópoles, locais destinados as tumbas e sepultamentos. O deus Anúbis poderia ser representado inclinado sobre pavilhões, atuando como protetor das múmias dentro das tumbas, guardando-as contra as forças que tentassem prejudicar a pessoa morta. O deus da mumificação está presente em objetos, amuletos, entalhes ou pinturas nas paredes de tumbas e sarcófagos. A origem de Anúbis está narrada nos textos das Pirâmides. De acordo com estes textos, Nut e Geb, deuses do céu e da terra respectivamente, tiveram quatro filhos, Osíris, deus da fertilidade e responsável por tudo que cresce no Egito, Isis e Néftis, deusas da magia e Seth, deus do caos.  O principal deus do panteão egípcio era Ra, divindade relacionada ao sol, o mesmo governava todo aquele mundo. Quando estava ficando cansado e velho, Ra passou as coroas do Alto e Baixo Egito para seu bisneto Osíris, mas com essa tarefa, houve o despertar da inveja do seu irmão mais novo, Seth. Como deus da fertilidade, Osíris poderia ter filhos, diferente de seu irmão, que era casado com Néftis. Após uma briga, a deusa teve uma ideia, se disfarçou de Isis, sua irmã gêmea e esposa de Osíris, e foi aos aposentos desse deus. Néftis acabou engravidando, dando à luz a Anúbis, o que aumentou o ódio de Seth pelo seu irmão mais velho. Seth tomado pelo ódio fez com que seu irmão caísse em uma armadinha, trancou-o em uma caixa e o jogou no Nilo. Após o assassinato, Isis sabendo do ocorrido, partiu em busca do corpo de Osíris, encontrando-o no palácio do rei da cidade de Biblos, na Fenícia. Conseguindo recuperar o corpo, voltou ao Egito, aonde tentou através de magia, ressuscitar o deus. Ao falhar, a deusa escondeu Osíris em um pântano de papiro, e viajou a fim de aprender a magia necessária. Entretanto, Seth encontrou o cadáver do irmão durante uma caça. Resolveu esquarteja-lo em quatorze partes que foram espalhadas por todo o Egito. Na companhia de alguns deuses, Isis foi em busca das partes de Osíris. Ao reuni-las, Isis tentou novamente devolver-lhe a vida, mas sem êxito. Então, Anúbis ficou responsável pela guarda do corpo do pai, o embalsamou, transformando Osíris na primeira múmia. Por conta dessa história, o povo egípcio aderiu a ideia de que era necessária a conservação do corpo para garantir a vida além-túmulo. Osíris embalsamado, portanto, tornou-se o soberano do outro mundo. Segundo o Livro dos Mortos, no tribunal de Osíris, Anúbis auxiliava na pesagem do coração da pessoa morta. O coração simbolizava o que a pessoa fez de bom e de ruim durante sua vida terrena. É difícil atribuir o início do culto ao deus Anúbis, mas sabe-se que havia uma divindade chamada Kbentiamentiu cuja fisionomia era muito semelhante à de Anúbis. Ao mesmo tempo, Kbentiamentiu também possuía semelhanças com o deus Osíris, por ser também representado como uma múmia. Era comum no Egito a mumificação de animais ligados as divindades, como cães e chacais em honra ao deus Anúbis, algumas foram encontradas na necrópole de Saqqara, em Mênfis. Com a presença greco-macedônica e romana no Egito, verifica-se que Anúbis foi helenizado, sendo associado à Hermes, transformando-se em Hermanubis. Seu culto era bastante forte no período romano, mas ao longo do tempo, com a cristianização dos povos habitantes do Império, o culto foi abandonado. Suas representações eram com corpo humano, cabeça de chacal e portando o caduceu, um bastão em torno do qual se entrelaçam duas serpentes e cuja parte superior é adornada com asas e com a cabeça do deus egípcio na sua forma canídea.   REFERÊNCIAS SHAFER, Byron E. As Religiões no Egito Antigo – Deuses, mitos e rituais domésticos. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2002. ARAÚJO, Emanuel. Escritos para a eternidade: a literatura no Egito faraônico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. WILKINSON, R. H. Reading Egyptian art. A hieroglyphic guide to ancient Egyptian painting and scupture. Londres: Editora Thames and Hudson, 1994. TRAUNECKER, C. Os deuses do Egito. Trad. Emanuel Araújo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995. RICE, Michael. Who’s Who in Ancient Egypt. 1ª Edição. Londres: Editora Routledg. 1999.  

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