O Festival de Opet

Vivian Tedardi – Historiadora O Reino Novo (1550-1070 a.C.) é o período de grande prosperidade no Egito Antigo. A capital era Tebas e Amon o deus padroeiro da cidade. A ele foi dedicado uma das principais celebrações egípcias: a festa de Opet. Os dois principais templos de Tebas eram Karnak e Luxor. Estes estavam interligados por uma avenida que, aos poucos, foi sendo decorada com esfinges, um percurso com cerca de 3 km de comprimento. A festa de Opet compreendia uma grande procissão ao longo da avenida de esfinges onde o deus Amon, sua consorte Mut e filho Khonsu, cada um em sua barca sagrada, eram levados do templo de Karnak até Luxor. Momento que a população poderia estar próxima da imagem do deus, já que no culto egípcio apenas as altas hierarquias sacerdotais e o rei tinham acesso à imagem divina. O festival ocorria no segundo mês de Akhet, a estação de inundação do rio Nilo. Em egípcio chamava-se “heb nefer en Ipet”, que corresponde à “Bela Festa de Opet”. A palavra opet ou ipet seria uma referência ao santuário onde as estátuas dos deuses seriam levadas quando no templo de Luxor. A fonte mais antiga que temos sobre esta festa foi registrada na Capela Vermelha da rainha-faraó Hatshepsut, que foi construída em seu governo para abrigar a barca cerimonial quando não estivesse em uso. Além deste registro, encontramos representações do festival no templo de Amon-Rá, em Karnak, e nos templos de Luxor e Medinet Habu. Os relevos mostram que a festa nem sempre ocorreu da mesma maneira. Nos governos de Hatshepsut e Tothmés III ocorriam pela avenida de esfinges, tanto que a rainha-faraó mandou construir seis santuários ao longo da avenida para o descanso das barcas sagradas. No período de Tutankhamon a procissão ocorria pelo Nilo, como é possível observar pelos relevos no templo de Luxor. Mesmo que o percurso tenha mudado ao longo do tempo, sabe-se que a população participava ativamente, as barcas eram escoltadas por soldados e carregadas pelos sacerdotes, membros da elite e o faraó estavam presentes, além de dançarinos, e portadores de oferendas que carregavam o que seria oferecido às divindades. Nos relevos é possível ver a grande quantidade de oferendas que eram dedicadas às divindades. Quando as estátuas já estavam no templo de Luxor várias cerimônias eram conduzidas nos pátios externos até as barcas chegarem ao santuário interno. Lá apenas o rei e alguns sacerdotes oficializariam os rituais. Sobre esses ritos infelizmente não há informações, nenhum texto que descreve o evento sobreviveu. As representações são basicamente das procissões. Assim, não podemos afirmar com certeza o propósito dos rituais que ocorriam em Luxor. Uma das interpretações é a de que, como o templo de Luxor não é dedicado a um deus de culto ou uma versão deificada do faraó na morte, e sim dedicado ao rejuvenescimento da realeza, que o ritual teria relação com esta finalidade. Ou seja, ao renovar a força vital da tríade tebana (Amon, Mut e Khonsu), confirmava-se também que o rei tinha a posse do Ka (energia vital) real. Esta renovação da força real e sua ligação com Amon fortalecia a autoridade do rei, em um momento também marcado pelo início de um novo ano. Assim, o rei garantia que seu direito de governar fosse divino consolidando sua linhagem e mantendo o vínculo como filho de Amon-Rá. Mesmo quando Tebas já não era mais a capital do Egito, os faraós e príncipes viajavam para participar do festival. Diversas festas faziam parte do calendário egípcio, porém “a Bela festa de Opet”, pelo significado que possuía em relação à manutenção da monarquia egípcia, foi uma das mais duradouras, já que foi realizada até o período romano. FUKAYA, Masashi. The Festivals of Opet, the Valley, and the New Year: their socio-religious functions. Archaeopress Egyptology 28. Oxford, 2019. https://www.nationalgeographic.com/history/magazine/2019/05-06/ancient-egypt-royal-feast/ https://en.wikipedia.org/wiki/Opet_Festival Relevo na Capela Vermelha demonstrando sacerdotes carregando a barca sagrada do deus Amon durante o festival de Opet Templo de Luxor Relevos no Templo de Luxor demonstrando animais que seriam ofertados à tríade tebana durante o festival de Opet Referencias:   FUKAYA, Masashi. The Festivals of Opet, the Valley, and the New Year: their socio-religious functions. Archaeopress Egyptology 28. Oxford, 2019. https://www.nationalgeographic.com/history/magazine/2019/05-06/ancient-egypt-royal-feast/ https://en.wikipedia.org/wiki/Opet_Festival

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Os alinhamentos astronômicos da Grande Pirâmide de Gizé

Por Ewerson Dubiela – Historiador do Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon Os antigos egípcios, bem como outras civilizações da antiguidade, procuraram conexões e relações com o céu noturno e diurno com a intenção de interpretar seus elementos conforme as necessidades de sua sociedade. Assim, os astrônomos, chamados de sbAy, observavam o movimento do Sol, as fases da Lua, o movimento das estrelas, dos planetas e de outros corpos celestes aparentes, considerando todos como parte de Maat, essa ordem gerada e mantida pelas divindades, onde tudo deveria se repetir dia após dia como no ato da criação. Através dessa atividade, conseguiam elaborar elementos arquitetônicos com significados religiosos e alinhamentos extremamente precisos, além do próprio calendário e rituais específicos. Estas concepções são, na atualidade, percebidas através da arqueoastronomia, a ciência que observa os artefatos e sítios arqueológicos e suas conexões e reconstruções de seus alinhamentos com os céus. No caso da Grande Pirâmide do faraó Queops, a sua arquitetura demonstra o desejo do rei em ascender aos céus após o seu enterro. Para compreendermos seus alinhamentos, precisamos recorrer aos Textos das Pirâmides que surgiram, pela primeira vez, na V Dinastia (2465-2323 a.C.) na pirâmide do faraó Unas, em Saqqara. A pirâmide de Queops, bem como as pirâmides de Quéfren e Miquerinos, não possuem decoração ou textos nas suas câmaras e corredores e, por isso, conhecemos seus significados a partir da dinastia seguinte. A arquitetura da Grande Pirâmide possui um corredor ascendente que leva para fora da pirâmide em um ângulo de 13º que aponta para o polo norte celestial. Ali, podemos encontrar um grupo de estrelas que constituem constelações egípcias. Assim, onde encontramos a constelação de Ursa Maior, os egípcios identificavam a constelação da pata de touro, Meskhetiu; e, possivelmente onde vemos a constelação de Dragão, os egípcios compreendiam Isis-Djamet, ou “Isis, festa no céu” – suas estrelas eram as mais próximas do polo norte celeste. Desse modo, esse grupo de constelações constituíam aquilo que é traduzido nos Textos das Pirâmides como Aquelas que não conhecem o vazio (ikhmw-ski) e percebidas como espíritos akh que deveriam guiar o ba (princípio de mobilidade do ser, podemos compreender como alma) para fora da pirâmide e em sua direção, de maneira a ascender aos céus. O seu nome vem de sua característica, visível até os nossos dias, em que elas não se põem abaixo da linha do horizonte e, devido ao movimento do nosso planeta, de maneira aparente, giram em um círculo perfeito durante a noite toda. Essa movimentação foi notada muito antes da construção do sítio de Gizé, sendo aproveitada pela primeira vez em uma pirâmide pelo arquiteto Imhotep, quando construiu em Saqqara, para o faraó Djoser da III Dinastia (2649-2575 a.C.), a primeira pirâmide do Egito, chamada hoje de escalonada. Todas as pirâmides construídas no Egito, teriam essa demonstração, mesmo que fosse através de uma porta falsa, como foi o caso das construções de períodos posteriores, como as do Reino Médio (2040-1640 a.C.). Dentro da Grande Pirâmide de Queops, existem três câmaras principais, uma sendo abaixo da estrutura, dedicada ao deus Sokar, uma divindade que habitava o inframundo; outra que é a Câmara da Rainha; e a última que é chamada de Câmara do Rei. Nas duas últimas existem pequenos corredores, chamados de canais de ventilação, apesar de não terem esta função. Ao total são quatro canais, sendo dois na Câmara da Rainha e dois na Câmara do Rei. Respectivamente, dois estão apontados para o polo norte celeste, cujo significado já conhecemos e dois para o sul. Assim, o canal de ventilação sul da Câmara da Rainha está apontado para a estrela Sopedt, a representação da deusa Isis no céu, enquanto que o canal de ventilação sul da Câmara do Rei está apontada para a constelação de SaH, uma forma de Osíris. Dessa maneira, o rei e a rainha seriam conectados à mitologia osiriana. Para nós, Sopedt é a estrela Sothis, presente na constelação de Cão Maior, enquanto a constelação de SaH corresponde a Órion. Em relação à Gizé, de maneira geral, existem alinhamentos solares que se produzem até os nossos dias e que foram percebidos pelos egípcios antigos. Estes ocorrem em três datas a cada ano: no solstício de inverno, no de verão e no equinócio de primavera. Nessas datas, o sol nasce e se põe entre as pirâmides de Queops e de Quefren produzindo um efeito chamado de hierofania (demonstração do sagrado). Nesse sentido, se reproduzia na paisagem o hieróglifo egípcio Akhet, que quer dizer Horizonte. Como os hieróglifos egípcios são pictográficos, ou seja, são cenas do cotidiano, esta palavra era constituída pelo sinal de duas montanhas e uma esfera solar entre elas. O Akhet, além disso, era também um lugar sagrado e de passagem entre o mundo dos vivos, que fica no Leste, e o mundo dos deuses, que fica no Oeste, para onde os mortos deveriam seguir após o seu enterro. Por fim, os faraós da IV Dinastia que construíram em Gizé, produziram um grande projeto na paisagem do local. É bastante visível que os arquitetos responsáveis por elas, como Hemiunu, o arquiteto da Grande Pirâmide, se preocupassem com as conexões mitológicas dos reis. Assim, tomaram o cuidado para que suas esquinas sudeste se conectassem numa grande linha reta que foi apontada na direção sudeste-nordeste, para onde estavam as cidades de Hermópolis e Heliópolis, as cidades onde as mitologias da criação divina do mundo e do deus sol, Ra, foram elaboradas, trazendo à tona a importância dos locais e seus sacerdotes e crenças. Nestas localidades, a criação teve início com as águas primordiais ou caóticas constituídas pela ogdoada, um conjunto de oito deuses primevos. Deste oceano cósmico, surgiria uma montanha chamada Ben Ben, o primeiro pedaço de terra. Então, uma ave sagrada chamada Benu pousara e grasnou, acordando o deus que estava adormecido dentro da montanha. A ave voou, enquanto Ra, o deus sol, despertava. Rá iniciou a criação e o propósito das pirâmides era comparar o rei com o próprio deus, pois estas eram a representação de

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A estrela Sóthis

Por Ewerson Dubiela – Historiador do Museu Egípcio e Rosacruz Em nossa cultura ocidental, a estrela Sóthis é chamada de Sirius e pertence à constelação de Canis Majoris (Cão Maior), sendo ela a estrela alfa. Porém, o nome antigo pelo qual era chamada, Sóthis, vem do grego e, assim como o nome de deuses e faraós, os egípcios a conheciam por seu nome em sua língua mãe, Sopdet. Devemos lembrar que todas as civilizações antigas observavam o céu noturno e lhe conferiam significados especiais e divinos. Com Sopdet, para os egípcios antigos, não foi diferente. Desde o início desse povo, Sopdet foi associada à deusa Isis ao passo que a constelação de SaH, que para nós se trata de Órion, era relacionada à Osíris, portanto, remetia à mitologia osiriana do casal divino que governou o Egito. Isso fica claro quando olhamos para os chamados “canais de ventilação” da Grande Pirâmide de Gizé, pertencente ao faraó Queops, da IV Dinastia (2575-2465 a.C.). O canal de ventilação da Câmara funerária do rei está apontado para SaH, enquanto o da rainha está apontado para Sopdet, indicando essas conexões para o governante que foi enterrado ali. A imagem de Sopdet era personificada através da estátua de uma mulher com uma estrela em sua cabeça e os hieróglifos que constituem seu nome trazem objetos do cotidiano que, ao final, é uma estrela (seu determinativo), que indica tratar-se realmente de um corpo celeste. Foi a observação do céu e dos elementos naturais que permitiu aos egípcios a criação de seus calendários e, assim, a organização da sociedade, que ia desde os trabalhos mais simples até mesmo à coroação do rei. No céu, a respeito disso, eram observadas a Lua e as estrelas e elas determinavam as celebrações e festas religiosas, mas também a agricultura. Essas necessidades permitiram o surgimento de dois dos calendários mais conhecidos: o lunar e o civil. É dentro do chamado “calendário civil” que vamos encontrar as estações do ano egípcio, respectivamente Akhet, Peret e Shemu. A estrela Sóthis tinha importância principal para Akhet, a primeira estação do ano, devido ao fenômeno astronômico de seu nascimento, que os egípcios chamavam de prt spdt, desde o Reino Médio (2040-1640 a.C.), e quer dizer “O sair de Sóthis” e por conta de seu brilho intenso. A palavra Akhet quer dizer, neste sentido, inundação e se trata de um período que compreende a metade de julho até a metade de novembro. Assim, o sair de Sothis e a inundação eram conjuntos no olhar dos antigos egípcios e, por isso, facilmente associados ao início do ano. Essa inundação do Nilo permitia que as águas preenchessem os bancos de terra com nutrientes ricos através de lodo no solo, o que garantia a renovação da vegetação e do seu entorno. A importância desse fator natural foi interpretada através da mitologia osiriana e com diversos deuses. Essa inundação, entretanto, era resultado das chuvas nas áreas altas da Etiópia, que iam para o Nilo Azul e para o rio Atbara. Posteriormente, uniam-se com o Nilo Branco e, finalmente, formavam o grande Nilo que desembocava no mar Mediterrâneo. Esta estação, cujo início coincidia com a aparição da estrela Sopdet e marcava o ano novo egípcio, terminava com o retrocesso das águas do Nilo que permitia as plantações de diversas culturas, que os egípcios chamavam de Peret (saída) e remetia ao renascimento das plantas. A última estação era chamada de Shemu e era dedicada à colheita das plantações. Esse ritmo constante que seguia o rio Nilo, o caminho que o Sol percorria gerando manhã, tarde e noite e, por fim, os movimentos repetitivos das estrelas durante o período noturno foram percebidos como Maat, a Ordem Cósmica criada pelos deuses que se refletia na natureza e devia ser observada pelos sacerdotes e pelo rei.   Simulação do nascer de Sírius em 1 Akhet 1 (Primeiro dia do ano no calendário civil egípcio). Sothis é visível até o nascimento completo do Sol. Fonte: Stellarium (software). Data: 15 de julho de 2782 a.C.. Observado do Cairo.   Referências bibliografias. BELMONTE, Juan Antonio. The Egyptian Calendar Keeping Ma’at On Earth. ___________________. The Egyptian Civil Calendar A Masterpiece To Organize The Cosmos. Instituto de Astrofísica de Canarias. 2009. BRANCAGLION, Antonio. Quadro Cronológico – Lista de Reis. Laboratório Seshat. Museu Nacional UFRJ. HART, George. The Routledge Dictionary of Egyptian Gods an Goddesses. 2nd edition. LULL, Jose. La astronomía en el antiguo Egipto. 3ª ed. Universitat de València. 2016. MARK, Joshua. Ancient Egyptian Agriculture. Acesso em junho de 2020. Disponível em: https://www.ancient.eu/article/997/ancient-egyptian-agriculture/

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Os templos de Deir el-Bahari

Por Ewerson Dubiela – Historiador do MERCT. Deir el-Bahari é um sítio arqueológico da necrópole de Luxor, antiga Tebas, que fica na margem ocidental do Nilo. Está logo abaixo de um penhasco, em que a ponta mais extrema é a montanha El-Qurna e, por isso, está logo atrás do Vale dos Reis. O nome, em árabe, quer dizer “Mosteiro do Norte”, devido ao mosteiro cristão cópta construído ali por volta do século 7 da nossa era. No ano de 1828, estando ainda abaixo das ruínas deste monastério e toneladas de areia e rocha que caíram do topo do El-Qurna, o local recebeu a visita da expedição de Jean François Champollion, o famoso decifrador dos hieróglifos e tido até hoje como pai da egiptologia. Entre 1842 e 1845, o explorador e líder da missão prussiana, Karl Richard Lepsius, declarou que o sítio estava na “área mais externa desta rocha-cova (…) situado o mais antigo templo de Tebas Oeste, que pertence à monarquia do Reino Novo, nos começos de sua glória…”[1]. O local teve grandes escavações com Auguste Mariette, que a partir de 1858 tornou-se Conservador dos Monumentos para o governo egípcio. Também executaram trabalhos importantes no sítio, o arqueólogo suíço Edward Naville e, do jovem arqueólogo inglês que será conhecido mais tarde pela descoberta da tumba de Tutankhamon, Howard Carter, já no final do século XIX. De 1911 à 1931 se deram as escavações por parte do Museu Metropolitano de Nova York, dirigida por Herbert E. Winlock. Quanto aos templos que ali existem, são três ao total. O primeiro e mais antigo é o templo funerário de Montuhotep II e data da XII Dinastia (1991-1783 a.C.). Montuhotep II foi o reunificador do Egito, após as conturbações internas de quase cem anos do Primeiro Período Intermediário (2134-2040 a.C.). O templo consistia em um terraço e um portão de entrada e fechado por três muros e acima havia um outro terraço que possuía uma grande estrutura. Esta forma pode fazer referência à mitologia egípcia e uma conexão com a mitologia heliopolitana, onde o primeiro monte de terra chamado de Ben Ben surgiu do oceano primordial, Num. Deste monte, Rá, o deus Sol, emergiu e criou o mundo. Nesse sentido, o rei iria renascer e recriar o mundo, tal como o deus. A decoração do templo vai desde árvores plantadas na área oeste, como tamareiras e sicômoros que levam para o terraço superior, até cenas em relevo que mostram barcos em procissão, caça e conquistas militares de Montuhotep II. O segundo templo estava exatamente abaixo do mosteiro que deu o nome da localidade. Trata-se do Djeser-Djeseru, templo funerário da rainha-faraó Hatshepsut (1473-1458 a.C.), da XVIII Dinastia e projetado pelo arquiteto real Senenmut. A construção deste templo se deu a partir do 7º ano de reinado de Tothmés III (1479-1425 a.C.). Para que possamos compreender este período, se faz necessário dizer que Hatshepsut e Tothmés III eram tia e sobrinho. Ao assumir o trono, Tothmés era ainda criança e, portanto, sem condições de governar o País das Duas Terras. Assim, Hatshepsut assumiu como regente e teve uma gradual transição até se transformar em faraó, governando em um sistema de corregência com o sobrinho até o seu 22º ano de reinado, quando faleceu. O templo de Hatshepsut, bem como o de Montuhotep II, também possuía árvores que foram plantadas em seu pátio, à diferença que estas foram trazidas da terra de Punt, um país de localização ainda incerta. A decoração deste templo mostra a viagem para este país como um dos grandes feitos do reinado da rainha-faraó. Outro elemento bastante importante é o Oráculo de Hatshepsut que foi gravado em relevo no mesmo terraço que a viagem à Punt. Este Oráculo é a mitologia do nascimento de Hatshepsut, em que o deus Amon apresenta a rainha-faraó como a herdeira do trono egípcio, legitimando assim a sua coroação. Djeser-Djeseru quer dizer Sublime dos Sublimes ou Sagrado dos Sagrados. Por fim, o último templo construído, assim como o de Montuhotep II, foi bastante destruído, hoje sabe-se que parte desse fato foi causado por um terremoto no final do Reino Novo (1550-1070 a.C.). Porém, escavações lideradas principalmente a partir de 1962, durante a expedição Egípcia-Polonesa, sob a direção de Kazimierz Michalowski permitiram recuperar boa parte do templo e um santuário da deusa Hathor, atualmente no Museu do Cairo. Este terceiro templo foi erigido a mando de Tothmés III, sendo construído entre os templos de Hatshepsut e Montuhotep II, o seu arquiteto foi o vizir Rekhmira. A intenção para este terceiro templo de Deir el-Bahari foi, possivelmente, a de levar o Djeser-Djeseru de Hatshepsut à Damnatio Memoriae, ou seja, ao esquecimento, uma vez que as procissões da Bela Festa do Vale passariam à ele. Sua construção teve início no 43º ano de reinado de Tothmés III, mesma época em que a Damnatio Memoriae de Hatshepsut teve cabo. O templo funerário de Tothmés III foi chamado de Djeser-Akhet e quer dizer Sublime horizonte ou Sagrado horizonte. Como está bastante danificado, as recentes restaurações permitiram mostrar os tambores das colunas na plataforma rochosa em que foi originalmente erguido, além de pavimentos parcialmente preservados, fundações de paredes e batentes de portas. O formato desses três templos foi baseado em um tipo de tumba elaborada ainda na época do Primeiro Período Intermediário. Estas tumbas, chamadas Saf, são específicas da região tebana e contam com um grande pátio e, no final, o local de enterro. Sem deixar de seguir este padrão e atribuindo novos contornos, os arquitetos reais conseguiram produzir tais templos. O resultado arquitetônico entre as três construções foi uma sequência de rampas e terraços onde colunas e pórticos flanqueavam suas laterais, trazendo uma harmonia na base do penhasco de quase 100 metros. Hoje, apenas o templo de Hatshepsut está bem preservado e disponível para a visitação, porém, é através dele que temos ideia dessa arquitetura caracteristicamente de Tebas. Bibliografia BRITANNICA, The Editors of Encyclopaedia. Dair el-Bahri. Archaeological site, Egypt. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Dayr-al-Bahri ___________________________________. Auguste Mariette. French Arcaeologist. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Auguste-Mariette CORNELL, Howard

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O Vale dos Reis

Por: Vivian Tedardi – Historiadora Ao longo da história egípcia antiga os faraós construíram suas tumbas para que fossem a morada eterna de seus corpos e garantissem a sua existência na companhia dos deuses. As pirâmides são, com certeza, o exemplo mais famoso, porém não as únicas estruturas erigidas para este fim. Os reis que governaram durante o período áureo da história egípcia, o Reino Novo (1550-1070 a.C.), construíram suas tumbas escavadas na rocha, no deserto Ocidental, próximo da capital Tebas, região conhecida como Vale dos Reis. Os egípcios referiam-se a região como “Grande e nobre necrópole de milhões de anos do faraó que é vivo, seja próspero e são, no oeste de Tebas” ou “O vale – o grande lugar em que descansa o faraó”. Até hoje foram descobertas sessenta e quatro tumbas reais das XVIII, XIX e XX dinastias e o local escolhido para abriga-las não foi aleatório, pois a montanha que acolhe esses sepulcros possui forma piramidal, e é conhecida como el-Qurna. Além deste significado simbólico há outro, visto que a forma de algumas cadeias montanhosas foi associada ao símbolo Akhet, que significa horizonte, local de passagem entre o mundo dos vivos e o mundo dos deuses. Embora grande parte das tumbas tenham ficado inacabadas, sabemos que o faraó no início de seu governo mandava iniciar os trabalhos para a construção de seu sepulcro. Geralmente o local era escolhido pelo vizir, pelo chefe dos trabalhadores e alguns outros funcionários reais, porém, a decisão final cabia ao rei. Com a escolha do local era realizada a cerimônia de fundação, na qual um ou mais poços eram escavados em alguma área próxima da entrada da tumba e vários objetos votivos eram ali depositados. Para abrigar os construtores das tumbas reais foi erigida a cidade de Deir el-Medina. Os trabalhadores eram divididos em dois grupos: lado esquerdo e lado direito, sendo que cada um dos lados tinha um capataz, com um ajudante. Havia apenas um escriba por vez, que atendia aos dois grupos. Além desses, viviam na cidade desenhistas, escultores, médicos, assistentes e guardas. Basicamente as atividades estavam relacionadas a construção das tumbas reais. As escavações arqueológicas realizadas na cidade e nas tumbas dos construtores revelaram o cotidiano das pessoas que atuaram na construção desta necrópole real. E como eram as tumbas do Vale dos Reis? Escavadas na rocha, são formadas por corredores e câmaras, porém não aleatórias, mas relacionadas a concepção post-mortem do período, principalmente associando o rei ao deus sol Rá. As tumbas seriam uma versão terrestre do mundo ultraterreno, um mundo que o monarca deveria cruzar todas as noites acompanhando o deus solar para que pudesse renascer no Leste no dia seguinte, ao amanhecer. A iconografia presente afirma isso, pois recriava esse mundo ultraterreno e todas as criaturas que o habitavam. Além das associações com Rá, o faraó também era assimilado com o governante do mundo dos mortos, o primeiro dos Ocidentais, o deus Osíris. Cada um dos corredores e salas foram nomeados de acordo com a passagem do deus sol pelo inframundo, sendo que a câmara funerária do rei era chamada de “sala onde o uno descansa” ou “a casa de ouro onde o uno descansa”. O ouro aqui representa divindade, por isso, geralmente, a cor amarela era predominante no espaço, que continha o sarcófago real, e a exemplo da tumba de Tutankhamon, possivelmente este era recoberto por quatro relicários feitos em madeira e folheados a ouro. Embora as tumbas construídas foram destinadas aos faraós do Reino Novo, os últimos enterramentos ocorreram durante a XXII dinastia, Terceiro Período Intermediário (1070-712 a.C.), quando tebanos reutilizaram algumas delas. Isso ocorreu porque desde a Antiguidade muitas tumbas foram saqueadas. Construídas para não serem encontradas, infelizmente há registros de saques ainda no final do Reino Novo. No período Greco-Romano (304 a.C. a 395 d.C) quinze tumbas eram conhecidas, o que é possível verificar por grafittis encontrados em sepulturas raméssidas e datados desse período. Embora a pesquisa sistematizada da região tenha iniciado no século XIX, há registros de impressões do local realizadas no século XVII e, em fins do XVIII, com a expedição de Napoleão Bonaparte. Esta, inclusive, foi responsável pela elaboração do primeiro mapa da região, contabilizando dezessete tumbas abertas. Na primeira metade do século XIX, com a exploração imperialista europeia no Egito e a busca por “antiguidades”, levou a descoberta de oito novas tumbas pelo italiano Giovanni Battista Belzoni. Em 1827, para identificação das tumbas, elas foram numeradas em vermelho, em ordem sequencial. Forma que continua sendo utilizada quando uma nova tumba é descoberta, com a sigla KV (Kings Valley) e o número sequencial. O Vale dos Reis continua sendo explorado arqueologicamente, embora a grande descoberta tenha ocorrido em novembro de 1922, quando o arqueólogo inglês Howard Carter descobriu a tumba de Tutankhamon. Esta estava praticamente intacta, revelando como deveria ser o tesouro dos outros reis enterrados na região, e que tiveram os seus sepulcros saqueados ao longo do tempo. Na verdade, apenas duas múmias de faraós foram encontradas em suas respectivas tumbas no Vale dos Reis: Amenhotep II e Tutankhamon. Quem visita a região encanta-se com a grandiosidade das tumbas que, mesmo inacabadas, revelam a concepção egípcia antiga na crença além-túmulo. Também o conhecimento construtivo e decorativo daqueles que atuaram na construção das moradas eternas dos reis que, ao terem sua vida eterna garantida, atuavam para a manutenção da Ordem criada pelas divindades egípcias.

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O Templo de Edfu

Por: Bruno Deniski – monitor do Museu Egípcio e Rosacruz As civilizações antigas e suas culturas eram voltadas para a religião, e suas devoções eram colocadas à mostra quando realizavam as construções dos grandiosos templos e outros monumentos em dedicatoria aos seus deuses. Suas cidades eram construidas ao redor dos templos, lugar considerado divino, sendo assim as regiões afastadas dos templos eram consideradas profanas. Como dito, os egípcios antigos não viviam apenas de construções de grandiosos monumentos, eles partilhavam também uma religião complexa, compreendiam o mundo em que viviam por meio dos mitos e suas deidades, ou seja, para eles o espaço onde viviam é em si só religioso, onde os deuses eram fundamentais em todo o cotidiano e em todas as atividades, das mais simples até as mais elaboradas como o reinado do faraó. Ocorria uma relação ampla entre o monarca e os deuses, principalmente por dois motivos: o primeiro porque o rei era considerado um deus vivo na terra, e dentro dele habitava a alma do próprio deus Hórus e, o segundo dava legitimidade e poder ao faraó. Os templos foram tão importantes que serviram como um meio de legitimar a dinastia Ptolomaica (332 a 30 a.C), pois muitos templos começaram ou foram terminados neste periódo. Templo de Edfu Conhecido como templo de Hórus, deus protetor das famílias e dos faraós considerado também como o senhor dos ventos. Encontra-se localizado na margem oeste do Rio Nilo, foi edificado com pedras arenosas e em todas as dimensões das paredes do templo haviam diversas cenas gravadas, sendo algumas dessas  responsaveis por contar o mito da contenda entre Hórus e seu tio Seth. Tanto no lado direito quanto no esquerdo das paredes internas do templo há representações da procissão divina de Hórus e Hathor, conhecida também como “união divina”, e no fim desta mesma sala encontram-se mais duas estátuas do deus falcão protegendo um portal de uma colunata (sequência de colunas). As gravuras nas paredes do pátio apresentam diferentes cenas, algumas com o faraó rezando, e outras realizando oferendas, local conhecido como “pátio das oferendas”. Ao lado direito da colunata encontra-se um quarto pequeno chamado de biblioteca onde, possivelmente, os egípcios guardavam rolos de papiros “científicos e administrativos”. Suas paredes são adornadas de imagens iconográficas que representam o chamado “ritual de fundação do templo” onde demonstram o faraó Ptolomeu III dedicando o Templo ao deus Hórus. No final do templo a sala chamada de “Sanctum Sanctorion” é um local com pouquíssima iluminação, e que apenas os sacerdotes poderiam adentrar. Neste espaço era depositado o tabernáculo (parecido com uma capela) onde era posta a estatua de Hórus. Os templos egípcios são importantes e fundamentais para a compreensão entre o espaço sagrado e o profano, como do mesmo modo para entender a sua relevância para a legitimidade do poder faraônico, isso ocorreu no período ptolomaico, momento no qual há construção e a reforma de diversos templos. Eles podem ser reconhecidos como um meio de demonstração da devoção dos egípcios para com os seus deuses. Desse modo, ao entender os processos de construção e decoração dos templos também compreende-se os acontecimentos históricos e as crenças do povo egípcio. Referências bibliográficas: CÂMARA. Matheus Breno Pinto da. ESPAÇO SAGRADO E ESPAÇO DOMÉSTICO: UM ESTUDO SOBRE OS TEMPLOS E AS CASAS NO ANTIGO EGITO. Alétheia Revista de Estudos sobre Antiguidade e Medievo – volume 9, n. 1. UFRN, 2014. GRALHA, J. Egito Ptolomaico: Arquitetura Sagrada e as relações de Poder. Hélade, v. 1, n. 1, 2015, p. 67-82. PIRES. Guilherme Borges. O Templo de Hórus de Edfu: As narrativas do sagrado. Universidade Nova de Lisboa, 2013-2014.

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O Touro Ápis e sua importância para a sociedade Egípcia

Autor: Bruno Luiz Deniski – Monitor do Museu Egípcio & Rosacruz. A imagem e representação do chamado touro selvagem foram utilizadas em praticamente todas as grandes civilizações da Antiguidade. Ele representava em geral, a força, a virilidade, a energia, o combate e a fertilidade. Por outro lado, a vaca era a representação da maternidade, do feminino, como também relacionada com a alimentação. De acordo com a cosmogonia egípcia há varias deidades relacionadas ou contendo características de touros e vacas. Dentre eles podem ser destacados três touros considerados sagrados, sendo eles, Ápis (relacionado com Ptah e Osíris), Meruer ou Mnéus (associado a Rá), e por fim Bukhis (associado com Montu e Rá). Do mesmo modo, havia as representações de vacas sagradas, como por exemplo: Bat, Hathor, Mehet-Ueret, Nut, Hesat, Ihet, Sekhat-Hor, Sekhetet, Shentayet e Khensit. De todos esses bovinos sagrados o que mais se destacou foi o touro Ápis, em egípcio Hep, que deteve seu culto desde a fundação do Estado, em 3100 a.C. Seu culto passou pela época Tinita (I-II Dinastias), acontecimento registrado na pedra de Palermo. Considerado como o deus da vegetação, fecundidade, ressurreição, que em alguns momentos era relacionado ao deus-sol Ra, portanto, com o renascimento e fertilidade. O touro era usado também na corrida que confirmava o poder do faraó denominada como “corrida ritual“ chamada de Heb-sed. Esse ritual ocorria quando o rei alcançava o seu 30° ano de reinado e através dele o poder do rei era renovado e legitimado. No evento, o faraó teria que cumprir algumas atividades, por último participava de uma corrida em que deveria acompanhar o touro, o que dava a conotação da crença de que haveria uma troca de poderes entre os dois. A festa ocorria na cidade de Mênfis, onde o faraó carregaria um cetro nekaka que representava o poder político e social e, durante a corrida, tinha como objetivo demonstrar a sua boa forma física. Supostamente ele venceria o touro, dando-lhe um maior poder para o seu reinado. O animal representava diretamente o poder do monarca como também sua fertilidade e força. Existem várias fontes iconográficas nas paredes de diversos templos em que o touro aparece nas demonstrações do poder destrutivo do rei e nas cenas em que caça touros e leões – essas representações podem ser consideradas como cenas ritualísticas que tinham como objetivo demonstrar o poder do monarca como controlador do universo, dentro e fora do Egito. Na cidade de Mênfis, o touro representava a fecundidade, figurava a força vital da Natureza e era considerado também como o próprio deus Ptah. Era também relacionado com outros dois deuses sendo eles Ra (deus do sol e da criação, tendo seu culto na cidade de Heliópolis), assim Ápis representava a vida e, por último, Osíris (deus dos mortos, relacionado com a vegetação, sendo o padroeiro da cidade de Abydos), desta maneira o deus touro ganhava outra característica: o do renascimento. Ápis era representado com um disco solar em sua cabeça ue caracteriza sua relação com o deus Atum e entre seus chifres havia a imagem da deusa serpente Uraeus. Com o passar do tempo, suas características como um deus touro foram crescendo e ganhando ainda mais importância dentro da cosmogonia egípcia, Ápis começou a se diferenciar de outras deidades tauromorfas, e com isso adquiriu aspectos próprios. O deus tinha traços únicos, segundo alguns historiadores clássicos, era necessariamente um touro negro, de barriga e patas brancas, com uma mancha branca em formato de um abutre ou uma águia, localizada em seu dorso. Outros pontos de suas peculiaridades, era uma mancha em forma de um besouro-escaravelho, localizada na parte inferior de sua língua, e uma calda com duas pontas de cores distintas uma preta e a outra branca. Só poderia haver um touro Ápis, esse bovino sagrado vivia em extremo luxo. De acordo com a mitologia, o deus Ápis era filho de Ptah, no ato de sua criação o deus desceu até a terra em forma de uma luz celeste e fecundou uma vaca para o nascimento do deus touro. Haveria uma construção dedicada a ele localizada perto da de seu pai Ptah, onde ocorriam dedicatórias, pois o povo egípcio deixava ferendas de alimentos e riquezas. Quando Ápis morria, seu corpo era mumificado e embalsamado e o lugar de seu enterro era chamado Serapeum. Os egípcios ficavam entre 60 e 70 dias de luto e, logo após a sua morte, os sacerdotes iniciavam a escolha do novo representante do deus touro. Seu poder como divindade perdurou até o período Romano, alcançando sua popularidade entre os gregos que juntamente com Osíris transformaram-no em um novo deus denominado Serapis, chegando a ser um dos maiores deuses do panteão egípcio. Imagem de Ápis deus touro que representava o poder do faraó. Retirado de https://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/o-culto-do-touro-ou-boi-apis-no-antigo-506911 no dia 28/06/2019 às 10:49 Estela de calcário representando o culto ao touro Apis, encontrada no Serapeum, em Sakara. Retirado de https://www.art.com/products/p27986392967-sa-i8441406/egyptian-painted-limestone-stele-depicting-worship-of-bull-god-apis-from-serapeum-at-saqqara.htm Representação iconográfica de Osíris deus dos mortos. Retirado de https://www.guiaestudo.com.br/osiris no dia 28/06/2019 às 10:54. Representação de Ptah deus protetor de Mênfis, cidade localizada na região norte do Egito, era também considerado como criador do mundo. Retirado de https://desciclopedia.org/wiki/Ptah no dia 28/06/2019 às 10:58 Referências bibliográficas: DAVID, Rosalie. Religião e magia no Antigo Egito. Editora Bertrand Brasil, tradução de Angela Machado. Rio de Janeiro, 2011. DESPLANCQUES, Sophie. Egito Antigo; tradução de Paulo Neves. Porto alegre, RS. P.128 – coleção L&PM Pocket, v. 805. L&PM, 2009. Traunecker, Claude. Os deuses do Egito; tradução de Emanuel Araújo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995. 143 p.: il. SALES. José das Candeias. O touro na mitologia egípcia: Ápis, cerimónias, insígnias e epítetos reais. Universidade Aberta. SALES. José das Candeias. Em busca do touro Ápis pelos caminhos da mitologia do antigo Egipto. Lisboa: Editora Universidade Aberta/ Centro de História da Universidade de Lisboa, p. 61 – 82, 01/06/2014. https://www.fascinioegito.sh06.com/boiapis.htm https://www.egitoantigo.net/apis-deus-egipcio-da-fertilidade.html https://ancientegyptonline.co.uk/bullcult/ https://australianmuseum.net.au/learn/cultures/international-collection/ancient-egyptian/bull-apis-e39829/

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As abominações do país: o assassinato do faraó Ramsés III

Por Ewerson Dubiela – Historiador do Museu Egípcio Ramses Usermaatra Meryamon é conhecido por nós como Ramsés III. O faraó governou durante quase 32 anos, entre 1194 e 1163 a.C.[1] e foi o segundo rei da XX Dinastia (1196-1070 a.C.). Sua tumba original encontra-se na margem ocidental do Nilo, uma das dezenas escavadas na rocha, porém, o corpo acabou por ser removido pelos próprios egípcios antigos por conta dos roubos dos enxovais funerários, sendo encontrado no final do século XIX, em 1881, em um esconderijo real de Deir el-Bahari, denominado como DB320. A múmia de Ramsés III está em excelente estado de conservação, fato observável a partir dos primeiros exames que ocorreram no Museu Nacional Egípcio, no Cairo, também em fins do século retrasado. A autópsia não pode identificar feridas, evidencias de sufocamento, estrangulamento ou envenenamento e, por isso, houve a ideia de que o governante pudesse ter morrido de uma doença chamada arteriosclerose. A partir de 2012, um grupo de pesquisadores[2] realizou diversos exames antropológicos, forenses, radiológicos e genéticos em múmias do Museu Nacional Egípcio, dentre elas, a de Ramsés III. O corpo do faraó Ramsés III possui um tecido que envolve o pescoço. Conforme se aplicou o exame de Tomografia Axial Computadorizada, TAC, pôde-se observar um ferimento, produzido por uma lâmina afiada de quase 7 cm de comprimento. Tal ferimento se deu da 5ª até a 7ª vértebra, somando a destruição dos tecidos moles dessa área. O TAC identificou também que a cavidade do ferimento acabou por ser preenchida com materiais que os sacerdotes egípcios usavam na mumificação dos cadáveres. Entretanto, há um pequeno amuleto wdjat, olho de Hórus, de 15 mm colocado na abertura, a intenção poderia ser proporcionar integridade e saúde, além da reparação do dano através de magia. De maneira mais recente, outro estudo[3] sugere que o assassinato se deu após luta, já que um dos dedões do pé do faraó foi decepado e o ferimento não teve tempo de cicatrizar. Assim, a possibilidade é que o ataque pode ter sido realizado por duas pessoas, uma pela frente de Ramsés III com uma espada ou machado e outra por trás do rei, atingindo-o com uma faca ou adaga no pescoço. É possível que esse episódio tivesse como objetivo não apenas a morte do governante, mas também a remoção do príncipe herdeiro, Ramsés[4]. As informações sobre a tentativa de assassinato do rei estão contidas em quatro papiros: Judicial de Turin, Rollin, Lee e Rifaud, sendo o primeiro o mais importante. É no papiro judicial de Turin que o episódio é denominado como “As abominações do país”, também anuncia os membros do tribunal e os jurados, além de apresentar uma primeira lista de acusados qualificados, cada um, como “Grande inimigo” e detalhar o envolvimento destes. Sabe-se que o complô havia nascido no harém real, com a Grande Esposa, Tiye. Esta era mãe de um dos príncipes mais próximos à Ramsés III, Pentawera. Diversos funcionários reais e parentes destes estão relacionados com o regicídio, como Pabakkamen, que era chefe da câmara e dos lacaios do rei e Ashahebsed, seu assistente. No papiro se diz: O Grande Inimigo Pabakkamen, que havia sido chefe da câmara. Foi traído por sua cumplicidade com Tiye e as mulheres do harém e por fazer causa comum com elas. Ele começou a levar as mensagens para fora, para as mães e os irmãos daquelas que se encontravam aqui, dizendo: ‘Levanta as gentes e incita a inimizade para que se rebelem contra o seu Senhor’. O papiro judicial de Turin traz instruções prévias, audiências com veredictos, emissão de sentenças e execução dessas, também irregularidades como tentativas de suborno – general Payis a membros do tribunal. Aos condenados pelo assassinato do rei diversos tipos de punição foram aplicados: corporais, mágicas e morais.[5] Por fim, podemos nos perguntar quais foram as motivações para tal crime. Observando o governo de Ramsés III, percebe-se que o rei tinha preferência pelos membros da elite do Baixo Egito e, de certa forma, excluía os do Alto Egito, o que pode ter gerado um certo remorso e competitividade. O reinado também foi marcado por problemas de corrupção, incursões de povos vizinhos no Egito e complicações administrativas. As incursões e derrotas desses povos estão registradas no templo funerário de Ramsés III, Medinet Habu, um dos monumentos erigidos pelo rei por conta da situação de estabilidade em que o Egito se encontrava, apesar dos ataques exteriores. O templo em si, bem como o as representações do governante, foram baseadas no reinado de Ramsés II.[6] Quanto às complicações administrativas, podemos citar, no âmbito palaciano, o casamento do faraó com duas grandes esposas, ao invés de uma como era a prática. A primeira, que já mencionamos, era Tiye, mãe de Pentawera. Ela era filha de nobres do Alto Egito. A segunda era Isis, filha de um alto funcionário de origem estrangeira, estabelecida no Baixo Egito. Isis deu luz à Ramsés. Os dois príncipes eram muito próximos ao pai e bem relacionados quanto à sucessão do trono, entretanto, a partir do ano 22 de reinado, Ramsés III escolheu o filho de Isis, Ramsés, para ser seu herdeiro. Portanto, houve a condenação de um e a elevação de outro, apesar dos dois terem o mesmo direito à coroa. Além disso, a promoção de modificações dos títulos na área monumental e a construção diferenciada de tumbas aumentou a desigualdade, fomentando a rivalidade entre irmãos. O assassinato de Ramsés III foi levado a cabo, conforme mostrou as imagens do TAC, porém, a conspiração foi descoberta e, assim, Pentawera acabou por ser responsabilizado e Ramsés IV assumiu o trono por cerca de 7 anos. É possível que Pentawera seja a famosa “múmia que grita”. Um rapaz de 18 a 22 anos de idade quando morreu, identificado hoje como “Homem desconhecido E”. Foi descoberto na mesma época e na mesma tumba que Ramsés III. Diferente de outras múmias, esta foi preservada sem que houvesse a remoção dos órgãos internos e sem emprego de faixas de linho ou preservação do nome, tendo

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A Grande Esfinge de Gizé

            Por: Vinicius Dzala Lara Wassem – Monitor do Museu Egípcio e Rosacruz Quando se pensa sobre o Egito Antigo, uma imagem que geralmente vem à mente é a da grande Esfinge de Gizé, que dizem ser coberta de mistérios, charadas e maldições. Mas será que ela realmente representa isso tudo ou haviam outros significados sobre ela? O grego Heródoto foi um dos primeiros a escrever sobre os egípcios, porém ao chegar na terra das pirâmides, os sacerdotes se recusaram a compartilhar seus conhecimentos com ele, o que levou Heródoto a tomar as próprias conclusões sobre a cultura egípcia antiga. Uma das observações de Heródoto foi sobre a Esfinge de Gizé, localizada a leste da pirâmide do faraó Kafra (Quéfren) e ligada a ela pelo acesso da rampa entre o templo do vale e o templo da pirâmide. Heródoto acabou por chamar o monumento como “Esfinge” que na realidade é o nome dado a uma criatura da mitologia grega, caracterizada por ter o rosto humano, corpo de leão e asas em suas costas, se dizia que era comum que as esfinges fizessem charadas a humanos, que quando não sabiam responder, acabavam devorados. Assim, Heródoto associou as criaturas mitológicas às estatuas egípcias, criando-se a ideia de que o real significado das esfinges seria esse. Entretanto, as estatuas representavam o poder e a divindade do próprio faraó, dando a ideia de que o Rei era sagrado e poderoso, e possuía a força e vigor de um leão. A Esfinge de Gizé tem nela representada o rosto do faraó Quéfren, mostrando ser datada da IV Dinastia (2575-2465 a.C.). Um outro fato curioso sobre esta Esfinge, é a Estela dos Sonhos, uma placa de granito posta entre as patas dianteiras da estátua, que fala sobre a primeira tentativa de “desenterrá-la” da areia, já que teria sido soterrada até os ombros após o abandono da necrópole de Gizé. A Estela tem a seguinte inscrição: “… o filho real, Tothmés, chegou, enquanto caminhava ao meio-dia e sentando-se à sombra deste poderoso deus, foi superado pelo sono e dormiu no exato momento em que Rá estava na cúpula [do céu]. Ele descobriu que a majestade deste deus falou-lhe com sua própria boca, como um pai fala para o filho, dizendo: Olhe para mim, contemple-me, ó Tothmés meu filho, eu sou o teu pai, Harmakhis-Khepri – Ra – Atum, eu conceder-te-ei a soberania sobre o meu domínio, a supremacia sobre a vida… Eis a minha condição real para que tu proteja todos os meus membros perfeitos. A areia do deserto que estou colocado cobriu-me. Salve-me, fazendo com que tudo o que está no meu coração seja executado.” A Estela fala que o responsável pela primeira escavação, da qual se tem notícia, teria sido o faraó Tothtmés IV (1401-1391 a.C.), que recebeu a mensagem da própria Esfinge através de um sonho, enquanto tirava um cochilo próximo a escultura, no qual ela pedia que lhe fosse removida a areia, e em troca, o deus Sol faria dele rei. No decorrer do século XIX, em 1817, houve uma nova restauração supervisionada pelo italiano Giovanni Caviglia, descobrindo todo o peito da estátua, e apenas em 1925 foi completamente desenterrada. Em 1926 parte de seu turbante teria caído, por conta da erosão fazendo com que em 1931 engenheiros trabalhassem na região de sua cabeça para uma restauração total, mostrando a Esfinge como temos até os dias atuais. BAINES, John; MALIK, Jaromir. Cultural Atlas of Ancient Egypt. London: Andromeda Oxford Limited, 2008. HART, George. The British Museum Pocket Dictionary of Ancient Egyptian Gods and Goddesses. British Museum Press, 2001.

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O Mito Cosmogônico de Heliopólis

Por: Bruno Luiz Deniski – Estagiário no Museu Egípcio e Rosacruz. A religião egípcia é um assunto muito interessante e intrigante. No Egito Antigo a religião estava presente em tudo, desde a organização social até mesmo nas explicações das atividades naturais, como por exemplo o nascer e pôr do sol, que só ocorria porque o deus sol Ra assim queria; da mesma forma o rio Nilo que só fluía porque o deus Hapi assim desejava. Um dos mitos egípcios mais importantes que retratam a criação do mundo é o mito da cidade de Iwnw, conhecida posteriormente como Heliopólis, como foi batizada pelos gregos. Tal mito enfatiza o deus sol Ra como sendo o criador e pai de todos os deuses. E a fonte mais eminente que traz essa mitologia são os chamados Textos das Pirâmides (datado de 2550 a.C.), além de outra muito importante que é o capítulo 17 do livro dos mortos (livro datado de 1580 a.C.), denominado como “Capítulo para sair a luz do dia“, que demonstra a passagem do sol nascente ao poente, onde o sol em si solidificava o pensamento de renovação e o primeiro raio solar caracterizava-se como o ato final da criação divina. E mesmo em datas posteriores pode-se encontrar registros sobre o mito de Heliópolis que se espalharam por várias cidades no decorrer de vários anos. Segundo o mito exposto no Texto das Pirâmides, no início havia o oceano caótico, chamado Nun. Desse oceano, surgiu uma montanha, o primeiro pedaço de terra, chamado Ben Ben. Das sombras apareceu uma garça real, comparável a uma fênix, denominada Bennu. Essa ave pousou sob a montanha e emitiu um forte grito. O silêncio deu lugar ao som. Então, o pássaro voou. De dentro da montanha surgiu Atum, sua luz tomou o lugar da escuridão e da não existência. Ra tomou a forma de Atum, tornando-se “Ra-Atum”. Atum cuspiu seus filhos e vomitou suas filhas, dentre eles o deus Shu, relacionado com o ar atmosférico. Depois surgiu sua irmã Tefnut, associada ao orvalho e a umidade, ambos tiveram uma união estável que originou outras duas divindades, Geb e Nut. A primeira tornou-se a terra e a segunda o céu estrelado. Ra não queria que ocorresse a criação de novos deuses, então ordenou que seu filho separasse os dois netos para evitar que mantivessem qualquer tipo de relação. Shu, em obediência a seu pai, fez a separação de seus filhos, colocando-se entre o céu e a terra. O mito também faz referência ao deus Toth que tentou ajudar os dois irmãos. Para isso, ele jogou e venceu uma partida de Senet com o deus Khonsu (deus da lua), o que originou mais cinco dias no calendário egípcio, permitindo que os dois jovens deuses pudessem se relacionar. Com isso, Geb e Nut deram origem a seus filhos sendo eles Osíris, relacionado com a vegetação e rei dos mortos, Ísis – deusa da magia, Seth – deus do caos, e do deserto e, por último, Néftis – deusa protetora das tumbas. O mito de criação é muito importante para a compreensão da religião egípcia, pois esse mito demonstra as principais características religiosas da sociedade, e o quão devotos eles eram para com os seus deuses. Ele demonstra do mesmo modo as diferenças e as individualidades de cada deidade. O livro dos mortos, um dos principais registros da criação do mundo, demonstra-se mais evoluído do que o Texto das Pirâmides, por exemplo. Essa mudança demonstra a evolução não só do povo egípcio, mas também de suas crenças. Trecho do “Livro dos Mortos” que representa a separação do céu e da terra – deusa Nut (céu) que aparece com o corpo longo e arqueado, deus Shu que a sustenta e deus Geb demonstrado deitado. Imagem em auto relevo do deus sol Ra   Estatua do deus Hórus em sua forma zoomórfica.   Referência Bibliográficas: DESPLANCQUES, Sophie. Egito Antigo. TRAUNECKER, Claude. Os deuses do Egito. DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Egito Antigo.

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