Os templos de Deir el-Bahari

Por Ewerson Dubiela – Historiador do MERCT.

Deir el-Bahari é um sítio arqueológico da necrópole de Luxor, antiga Tebas, que fica na margem ocidental do Nilo. Está logo abaixo de um penhasco, em que a ponta mais extrema é a montanha El-Qurna e, por isso, está logo atrás do Vale dos Reis. O nome, em árabe, quer dizer “Mosteiro do Norte”, devido ao mosteiro cristão cópta construído ali por volta do século 7 da nossa era. No ano de 1828, estando ainda abaixo das ruínas deste monastério e toneladas de areia e rocha que caíram do topo do El-Qurna, o local recebeu a visita da expedição de Jean François Champollion, o famoso decifrador dos hieróglifos e tido até hoje como pai da egiptologia. Entre 1842 e 1845, o explorador e líder da missão prussiana, Karl Richard Lepsius, declarou que o sítio estava na “área mais externa desta rocha-cova (…) situado o mais antigo templo de Tebas Oeste, que pertence à monarquia do Reino Novo, nos começos de sua glória…”[1]. O local teve grandes escavações com Auguste Mariette, que a partir de 1858 tornou-se Conservador dos Monumentos para o governo egípcio. Também executaram trabalhos importantes no sítio, o arqueólogo suíço Edward Naville e, do jovem arqueólogo inglês que será conhecido mais tarde pela descoberta da tumba de Tutankhamon, Howard Carter, já no final do século XIX. De 1911 à 1931 se deram as escavações por parte do Museu Metropolitano de Nova York, dirigida por Herbert E. Winlock.

Quanto aos templos que ali existem, são três ao total. O primeiro e mais antigo é o templo funerário de Montuhotep II e data da XII Dinastia (1991-1783 a.C.). Montuhotep II foi o reunificador do Egito, após as conturbações internas de quase cem anos do Primeiro Período Intermediário (2134-2040 a.C.). O templo consistia em um terraço e um portão de entrada e fechado por três muros e acima havia um outro terraço que possuía uma grande estrutura. Esta forma pode fazer referência à mitologia egípcia e uma conexão com a mitologia heliopolitana, onde o primeiro monte de terra chamado de Ben Ben surgiu do oceano primordial, Num. Deste monte, Rá, o deus Sol, emergiu e criou o mundo. Nesse sentido, o rei iria renascer e recriar o mundo, tal como o deus. A decoração do templo vai desde árvores plantadas na área oeste, como tamareiras e sicômoros que levam para o terraço superior, até cenas em relevo que mostram barcos em procissão, caça e conquistas militares de Montuhotep II.

O segundo templo estava exatamente abaixo do mosteiro que deu o nome da localidade. Trata-se do Djeser-Djeseru, templo funerário da rainha-faraó Hatshepsut (1473-1458 a.C.), da XVIII Dinastia e projetado pelo arquiteto real Senenmut. A construção deste templo se deu a partir do 7º ano de reinado de Tothmés III (1479-1425 a.C.). Para que possamos compreender este período, se faz necessário dizer que Hatshepsut e Tothmés III eram tia e sobrinho. Ao assumir o trono, Tothmés era ainda criança e, portanto, sem condições de governar o País das Duas Terras. Assim, Hatshepsut assumiu como regente e teve uma gradual transição até se transformar em faraó, governando em um sistema de corregência com o sobrinho até o seu 22º ano de reinado, quando faleceu. O templo de Hatshepsut, bem como o de Montuhotep II, também possuía árvores que foram plantadas em seu pátio, à diferença que estas foram trazidas da terra de Punt, um país de localização ainda incerta. A decoração deste templo mostra a viagem para este país como um dos grandes feitos do reinado da rainha-faraó. Outro elemento bastante importante é o Oráculo de Hatshepsut que foi gravado em relevo no mesmo terraço que a viagem à Punt. Este Oráculo é a mitologia do nascimento de Hatshepsut, em que o deus Amon apresenta a rainha-faraó como a herdeira do trono egípcio, legitimando assim a sua coroação. Djeser-Djeseru quer dizer Sublime dos Sublimes ou Sagrado dos Sagrados.

Por fim, o último templo construído, assim como o de Montuhotep II, foi bastante destruído, hoje sabe-se que parte desse fato foi causado por um terremoto no final do Reino Novo (1550-1070 a.C.). Porém, escavações lideradas principalmente a partir de 1962, durante a expedição Egípcia-Polonesa, sob a direção de Kazimierz Michalowski permitiram recuperar boa parte do templo e um santuário da deusa Hathor, atualmente no Museu do Cairo. Este terceiro templo foi erigido a mando de Tothmés III, sendo construído entre os templos de Hatshepsut e Montuhotep II, o seu arquiteto foi o vizir Rekhmira. A intenção para este terceiro templo de Deir el-Bahari foi, possivelmente, a de levar o Djeser-Djeseru de Hatshepsut à Damnatio Memoriae, ou seja, ao esquecimento, uma vez que as procissões da Bela Festa do Vale passariam à ele. Sua construção teve início no 43º ano de reinado de Tothmés III, mesma época em que a Damnatio Memoriae de Hatshepsut teve cabo. O templo funerário de Tothmés III foi chamado de Djeser-Akhet e quer dizer Sublime horizonte ou Sagrado horizonte. Como está bastante danificado, as recentes restaurações permitiram mostrar os tambores das colunas na plataforma rochosa em que foi originalmente erguido, além de pavimentos parcialmente preservados, fundações de paredes e batentes de portas.

O formato desses três templos foi baseado em um tipo de tumba elaborada ainda na época do Primeiro Período Intermediário. Estas tumbas, chamadas Saf, são específicas da região tebana e contam com um grande pátio e, no final, o local de enterro. Sem deixar de seguir este padrão e atribuindo novos contornos, os arquitetos reais conseguiram produzir tais templos. O resultado arquitetônico entre as três construções foi uma sequência de rampas e terraços onde colunas e pórticos flanqueavam suas laterais, trazendo uma harmonia na base do penhasco de quase 100 metros. Hoje, apenas o templo de Hatshepsut está bem preservado e disponível para a visitação, porém, é através dele que temos ideia dessa arquitetura caracteristicamente de Tebas.

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