Por Fernanda Beatriz Marques Machado – monitora do Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon
Nagada – ou Naqada – é o nome dado a um dos períodos cronológicos da história egípcia referente ao pré-dinástico. O nome foi atribuído pelo arqueólogo Flinders Petrie (1853 – 1942) em relação ao local de mesmo nome, onde encontrou cerca de três mil tumbas, na região do Alto Egito, na margem ocidental do Nilo. Além disso, Nagada é o nome que se dá a uma das culturas que demonstram a evolução e as interações complexas de uma sociedade nascente. No local foram encontrados diversos vasos de cerâmica que foram usados como base para definir a cronologia e conhecer a cultura desse período.
Petrie é intitulado pai do estudo do Egito Pré-Histórico, pois foi a partir de suas descobertas e análises sobre a cultura material que nasceu a possibilidade de compreender com maior precisão como era o estilo de vida das pessoas que se estabeleceram naquela região há mais de seis mil anos. Essa análise foi concebida a partir da observação que permitiu o estabelecendo da evolução do desenvolvimento urbano a partir de artefatos – quanto mais detalhado (com alças para segurar ou estéticas para decoração), mais avançado seria o design, logo a dedução de que foram produzidos em um período mais recente.
Ele estabeleceu três fases dentro desse período: Nagada I ou Amratense (4.000 a.C – 3.500 a.C), Nagada II ou Gerzeano (3.500 a.C – 3.100 a.C) e Nagada III ou Dinastia 0 (3.100 a.C. – início do Período Dinástico). Essa separação se dá a partir da observação do material arqueológico que demonstra a evolução da organização humana em sociedade, principalmente naqueles que foram coletados nos sítios arqueológicos de Hierakonpolis, Naqada e Abydos.
Na cultura Amratense, é possível visualizar uma clara diferença em relação ao período Badariano – anterior ao Nagada – através da diversidade dos tipos de sepulturas e bens funerários, indicando o começo de uma tradição da construção de um enxoval funerário – simbolizando a existência de hierarquias nessa sociedade. Mesmo sendo característicos, esses enxovais se baseavam em simples objetos colocados ali para registrar o nome do indivíduo. Essa fase é simbolizada pelos vasos de cerâmica vermelha com desenhos em branco, na maior parte das vezes com formas geométricas ou animais, como hipopótamos, crocodilos, lagartos, flamingos, escorpiões, gazelas, girafas, equinos, bovinos e vegetação. A partir disso, é possível ter ideias sobre a forma que esses povos viviam, e, embora não seja possível afirmar qual era o sistema econômico, já é percebida a criação de animais usados tanto para consumo próprio quanto para rituais religiosos – a principal figura religiosa é representada pelo deus Seth.
Na segunda fase, Gerzeano, além da extensão territorial de norte (Minshat Abu Omar) a sul (Núbia), os detalhes se tornaram mais importantes, onde as descrições de símbolos para as representações de pictogramas, que seriam reconhecidos posteriormente como precursores de técnicas de escrita, se tornam mais presentes. Tais elementos são visualizados tanto nas tumbas, que possuem maiores informações sobre o proprietário e ganharam maiores proporções, quanto nos vasos de cerâmica – em sua maioria, em cores ocre e rosadas, pintadas em vermelho, marrom ou preto; ornamentadas com pinturas e feitas em formatos mais distintos e específicos, com formas de animais ou simples, redondos ou ovais. Esse período é marcado pelo constante aparecimento de barcos em representações artísticas e pelo uso de linhas onduladas ou circulares nos vasos em especifico, que Petrie classificou em três tipos: sinais S, Z ou N. O N é mais marcante, pois, representa a água, fator principal de sobrevivência naquela região e que ganhou imenso destaque nas representações de artefatos dessa fase, além da forma geométrica triangular – muito semelhante ao uso do sinal N – ser constantemente usada para simbolizar montanhas que já possuíam valor religioso e cultural para as populações locais.
É possível perceber a construção inicial de uma divisão mais específica nessa sociedade, com artesãos que trabalhavam e produziam peças únicas para pessoas de maior escalão social, já demostrando uma economia de mercado artesanal. Esta compreendia vasos de cerâmica, cestos, utensílios de marfim, pedras preciosas e metais – com destaque ao cobre. Também nessa fase, os locais de irrigação natural ao redor do Nilo se tornaram um privilégio, onde o acesso pertencia as pessoas da nova elite, além do sistema de plantio e criação de animais – e a caça – que se estabeleceram desde o período Nagada I.
A terceira e última fase, popularmente conhecida com Nagada III, foi o curto período de tempo entre essa evolução social até o início do Período Dinástico, caracterizado pela tensão entre o Alto e Baixo Egito e a então unificação dos dois territórios – representado de forma artística pela Paleta de Narmer – dando origem à Dinastia 0. Nesse período houve misturas culturais e econômicas nas duas regiões, gerando estratificação social, estabelecendo diferentes funções para cada grupo e trazendo de forma mais veemente a centralização política e a construção do Estado egípcio, com o reinado de Narmer, primeiro rei do Egito.
Tigela com linhas brancas cruzadas com quatro pernas. Período: Pré-dinastico, Nagada I tardio – inicio Nagada III Data: 3.700 a. C – 3.500 a. C https://www.metmuseum.org/art/collection/search/547266?ft=naqada+I+period&offset=40&rpp=40&pos=79
Vaso de cerâmica decorada retratando ungulados e barcos com figuras humanas. Período: Pré-dinástico, Naqada II tardia. Data: 3500 a. C – 3300 a.C. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/545755.
Vaso de cerâmica decorada retratando ungulados e barcos com figuras humanas. Período: Pré-dinástico, Naqada II tardia. Data: 3500 a. C – 3300 a.C. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/545755.
Selo de jarro impresso com o nome da Rainha Neithhotep. Período: início Período Dinástico, Reinado: reinado de Aha. Data: 3100 a.C. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/551832?ft=period+naqada+lll&offset=0&rpp=40&pos=1
Referências
SHAW, Ian. The Oxford history of ancient Egypt. Oxford University Press, USA; Illustrated edição, 19 fevereiro de 2004.
TIRADRITTI, Francisco. Tesouros do Egito: do museu egípcio do Cairo. Editora Manole; 1ª edição, 17 novembro de 2000.
TORRADO, Elena de Gregorio. Decoraciones pintadas em las cerámicas predinásticas del período de Nagada II: análisis de los diseños. Universidad Autónoma de Madrid, Boletín de la Asociación Española de Egiptología. N⁰ 13, 2003.