Hatshepsut – A Rainha-Faraó

Por: Camila Dayane Olexciw do Rosário – Estudante de história e monitora do Museu Egípcio e Rosacruz No Egito Antigo as funções desempenhadas socialmente eram estabelecidas de acordo com as construções sociais, existindo tarefas atribuídas para ambos os sexos. Essas funções poderiam ser alteradas, embora não fosse comum a posição de faraó a uma mulher. Em meados da XVIII Dinastia (1550-1307 a.C.), mediante um momento onde as rainhas haviam conquistado grande espaço dentro do cenário templário e governamental, surgiu Hatshepsut, uma personagem que, durante muito tempo, foi relegada a um posto de usurpadora dentro da Egiptologia. Filha do faraó Tothmés I e da Rainha Ahmés, Hatshepsut perdeu em sua juventude os dois irmãos e uma irmã, tornando-se herdeira legítima do rei. Embora a linhagem real se reservasse a princesa, o faraó possuía um filho com uma esposa secundária, e para que este pudesse ascender ao trono, Hatshepsut o desposou. Ele ficou conhecido como Tothmés II. Com essa união, Tothmés II consagrou-se rei e ambos receberam prerrogativas. Para Hatshepsut foram atribuídas titulações, como por exemplo o de Grande Esposa Real e as honras devidas à “Primeira Dama das Duas Terras”, reconhecido o estado de “Aquela que vê Hórus e Seth”. O casamento rendeu apenas uma filha, a princesa Neferura, também herdeira legítima do trono. Sem mais herdeiros e devido a morte precoce do rei, o trono do Egito ficou à cargo de um filho secundário concebido por uma concubina, a Esposa Real Aset, igualmente chamado Tothmés. Após o falecimento do faraó e pouca idade de Tothmés III, Hatshepsut tornou-se a regente do reino, a fim de administrá-lo até que seu enteado pudesse assumi-lo. O cargo de Regente não existia no Egito, por isso ela manteve-se no poder devido ao título de Grande Esposa Real. A presença da Rainha como regente do Egito é encontrada desde o ano 2 do reinado de Tothmés III e em grande parte das representações, possui ao seu lado a presença do enteado. A partir do quinto ano de Tothmés III as representações da rainha começaram a ser alteradas e no sétimo ano de administração, revelou-se como Rei do Alto e do Baixo Egito. Embora assumiu a representação de Faraó, Tothmés III não deixou de aparecer ao lado de Hatshepsut, eliminando as hipóteses levantadas a respeito da usurpação do trono ao longo dos anos por pesquisadores. As mudanças na maneira como a Rainha-Faraó passou a ser representada se alteraram com o tempo. Essa transformação está relacionada a uma masculinidade que passou a ser assumida por Hatshepsut, utilizada para legitimar seu poder como Faraó, considerando que a mesma possuía o espírito de Hórus, o Deus vivo, em seu corpo e assim poderia governar. Além da representação masculinizada assumida por Hatshepsut, a mesma também utilizou uma mitologia referente ao seu nascimento relacionada ao Deus Amon, a favor de sua aceitação como Faraó. A mitologia está representada no templo de Deir El-Bahari e consagrou Hatshepsut como a filha do Deus Amon, que disfarçado de Tothmés I, relacionou-se com a Rainha Ahmés, que engravidou de Hatshepsut. Como Faraó, manteve um governo próspero e realizou a construção de diversos monumentos. Os primeiros feitos de seu reinado foram os obeliscos no extremo leste do templo de Karnak, que trazem seus títulos como Rei. Apesar da multiplicidade de seus feitos, sua maior construção é o templo de Deir El-Bahari, dedicado a Rainha-Faraó e de beleza arquitetônica imensurável. Seu nome egípcio era Djeser Djeseru que quer dizer, Sublime dos sublimes. Quando suas construções foram descobertas por egiptólogos no século XIX, muitos não consideravam de que aqueles elementos diziam respeito a uma governante mulher, inclusive Champollion, que após a tradução dos hieróglifos visitou o Egito, negou a possibilidade do templo de Deir El-Bahari pertencer a uma Rainha-Faraó. A confirmação veio alguns anos mais tarde, devido a diversos fatores, como, por exemplo, o conhecimento da escrita hieroglífica, onde a letra “t” do nome da rainha é oriundo do símbolo de um pão egípcio, que pode ser interpretado como um determinativo feminino. Hatshepsut governou o Egito por cerca de 20 anos. Não há nenhum registro que indique um mal-estar entre a Rainha e o enteado, possibilidade considerada e já descartada pelos egiptólogos. Deixou inúmeros monumentos e foi muito importante para história egípcia antiga e para a história das mulheres.   Referências: NOBLECOURT, Christiane D. A mulher no tempo dos faraós. Paris: Éditions Stock,1986. SOUSA, Aline F. A mulher-faraó: representações da rainha Hatshepsut como instrumento de legitimação (Egito Antigo – Século XV A.C). Niterói, 2010 LAZZAROTTO, Gabriela – “Que ela possa reger as duas terras, que ela possa conduzir todo o vivente” – uma análise da teogamia de Hatshepsut como Filha de Amon. Porto Alegre, 2016 DELL, Pamela. Hatshepsut Egypt’s First Female Pharaoh. Londres: Penguin Books, 1998.

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Montuhotep II e a reunificação do Egito

Para que possamos falar sobre os faraós e, principalmente, sobre a reunificação do Egito, podemos destacar a unificação do território por volta do ano de 3100 a.C. O responsável por essa união e também o primeiro monarca que temos registros é Narmer (ou Menes para os gregos). Antes, a região egípcia era dividida em diferentes tribos, as quais cada uma tinha seus respectivos chefes denominados nomarcas, eram ao mesmo tempo chefes militares e políticos que lideravam unidades administrativas chamadas nomos. Um registro importantíssimo que retrata este acontecimento é a paleta de Narmer. Deve ser destacada a importância que o faraó tinha dentro do Egito: para eles, o soberano seria um deus vivo que teria a alma de Hórus, sendo assim a própria divindade na terra. O faraó era o intermédio entre o povo e os deuses, sendo também sumo sacerdote que realizava rituais sagrados nos templos. Os monarcas eram aqueles que governavam as Duas Terras – o Alto e Baixo Egito –  e através de guerras de conquista e expedições punitivas mantinham os inimigos sob seu controle ou os destruíam – o que complementa Maat (a ordem cósmica). O chamado Primeiro Período Intermediário, que teve o início por volta de 2.134 a.C. e seu termino em 2.040 a.C., leva esse nome por questões de guerras e conflitos internos entre diferentes soberanos, marca também a transição do Reino Antigo para o Reino Médio e inclui a VII até a XI Dinastias. Para classificar essa transição há diferentes estágios. Os monarcas egípcios do Primeiro Período Intermediário dividiam o poder entre duas cidades especificas sendo elas as cidades de Heracleópolis e Mênfis. A primeira perdeu seu território e seu poder para os governantes da XI Dinastia (2134 – 2040 a.C), chamada também de Dinastia tebana, que transformou Tebas na nova capital do Egito durante parte do Reino Médio (2040 – 1640 a.C.). O primeiro estágio foi representado pela desintegração do país na VI Dinastia que corresponde aos anos de 2.323 até 2.150 a.C., e o declínio do governo centralizador que corresponde à VII e VIII Dinastias, além de vários regentes que continuaram a deter o poder na cidade de Mênfis (primeira capital do Egito). Já o segundo ocorreu por um colapso na monarquia Menfita, que foi marcada por certas questões como, por exemplo: a anarquia e as guerras entre os governantes provinciais. A fome, a pobreza e a doença espalharam-se por todo o território egípcio. Há registros que falam sobre sepulturas e monumentos que foram saqueados e destruídos por ladrões, e tais problemas desencadearam conflitos bélicos e religiosos, esses eventos foram registrados nos chamados “Textos Literários Pessimistas”. Os conflitos internos eram também contínuos ataques surpresas realizados pelos beduínos que residiam na região fronteiriça que se localizava ao nordeste do Médio Egito. O terceiro estágio destaca-se por questões em que os governantes da cidade de Heracleópolis surgiram como novos regentes que dominaram o Médio Egito, entre as cidades de Tebas e Mênfis (IX e X Dinastias). O chamado Akhtoy (Kheti) foi o governante que conduziu seu povo a vitória e estabeleceu Heracleópolis como a nova capital do Egito durante o Primeiro Período Intermediário. A anarquia foi controlada temporariamente, houve um período de paz no qual realizaram construções de templos nas localidades de Beni Hassan, Akhemim e El – Bersh. Neste mesmo período se erguia a família dos Antef´s na cidade de Tebas. Logo, esta família teve disputas e conflitos com os soberanos da cidade de Heracleópolis. Tal fato foi gravado na tumba do governante Akhetoy em Assiut. Outros acontecidos foram registrados no texto “A Instrução Dirigida ao Rei Merikare” em que um regente já com uma certa idade dirigia a palavra para seu sucessor e filho, tal escritura tinha como finalidade estabelecer o poder politico do monarca. No último estágio, Montuhotep II, descendente dos Antef´s, conquistou o poder geral do país, restaurando então as questões políticas e sociais, acabando com a anarquia e a guerra civil. O monarca apaziguou todo o território egípcio e permitiu que os governantes provinciais mantivessem o seu poder. Consolidou a cidade de Tebas como nova capital do Egito e estimulou o crescimento da arte e arquitetura. Montuhotep II foi responsável por reunificar o Egito depois do Primeiro Período Intermediário e também responsável por fundar o Reino Médio, por volta do ano de 2040 a.C. Talvez Montuhotep II não tenha governado todo o território egípcio, mas com certeza foi o reunificador do país. A construção mais famosa da XI Dinastia é o monumento funerário único que Montuhotep II Nebhepetre mandou construir para si em Deir el-Bahari, em Tebas.   Por: Bruno Luiz Deniski – Referências: DESPLANCQUES, Sophie. Egito Antigo. São Paulo 2009. CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. 1982. DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito. Ed. Difiel. BRANGAGLION, Antônio. Quadro Cronológico – Seshet. Museu Nacional.

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Ramsés II, o Grande

Um dos mais conhecidos faraós da antiguidade egípcia, Ramsés II foi o terceiro faraó da XIX Dinastia (1307-1196 a.C.), cujo reinado durou em torno de 66 anos, indo de c. 1290 a 1224 a.C. Por suas conquistas em guerras e pelas construções feitas em seu reinado, o mesmo foi intitulado de Ramsés II, o Grande. A origem deste faraó começa com seu avô, Ramsés I (1307-1306 a.C.), um exímio líder militar que serviu como general do faraó Horemheb (1319-1307a.C.), último rei da XVIII Dinastia (1550-1307) que antes de morrer nomeou Ramsés para assumir o trono. Ramsés II era filho do faraó Seti I (1306-1290) com a rainha Tuya. Seti o reconheceu como seu primogênito e o nomeou regente, isso significa que após a sua morte ele iria se tornar o próximo governante. Durante sua juventude, o príncipe Ramsés foi treinado no exército, o que mais tarde faria com que o mesmo se tornasse um reconhecido líder militar. Com a idade de 24 anos, Ramsés II ascendeu ao trono, na primeira instancia de seu reinado esteve focado em manobras militares, proporcionou aos exércitos maior importância, sendo bem treinados e melhor tratados, também foram feitas construções de fortificações nas fronteiras egípcias que ajudavam na movimentação das tropas e garantia segurança e proteção ao Egito. Através de seu poder como faraó ele criou uma nova capital chamada Pi-Ramsés, na região central do Delta Oriental. Toda nobreza e exército foram redirecionados para essa nova sede, lá foram feitas melhorias no arsenal egípcio que proporcionaram maior estabilidade ao governo do rei. Anos mais tarde vieram as campanhas militares e durante cinco anos os egípcios se prepararam militarmente, então marcharam em direção ao Mediterrâneo onde iniciaram a reconquista da cidade de Tiro e ocuparam as regiões de Canaã e Amurru. A batalha mais famosa foi contra os hititas e é conhecida como Batalha de Kadesh. O conflito foi pelo domínio da Síria e o seu ponto alto ocorreu perto das muralhas dessa cidade, durando 15 anos, e só terminou após um acordo de paz assinado por ambos os lados, anistia aos refugiados e acerto dos territórios. Além das conquistas militares, o que também fez com que Ramsés II fosse conhecido como “o Grande” foi a prosperidade de seu reinado onde, por exemplo, houve a construção de enormes templos. Ele continuou a construção do grande salão hipóstilo em Karnak (Tebas) e deu sequência aos trabalhos no templo funerário construído por seu pai, Seti I, em Abydos, os quais foram deixados incompletos na morte do último. Foram finalizados também os templos funerários destinados ao seu pai em Luxor (Tebas) e mandou construir seu próprio templo funerário, o que mais tarde seria conhecido como Ramesseum (Tebas). As estruturas que mais são conhecidas até os dias de hoje se localizam ao sul do Egito, na região da Núbia. Aproximadamente seis templos, sendo dois deles esculpidos nas rochas, conhecidos como Abu Simbel, com quatro estátuas colossais do próprio Ramsés II.   Da vida pessoal de Ramsés praticamente nada é conhecido. Sua Grande Esposa, cujo o nome era Nefertari, teve um templo menor em Abu Simbel dedicado a ela. A rainha parece ter morrido comparativamente cedo durante o reinado de Ramsés II, e seu túmulo no Vale das Rainhas, em Tebas, é bastante conhecido. O rei teve outras esposas em seu harém, as quais deram filhos ao faraó, entre esses o sucessor de Ramsés II, Merneptah, e seus irmãos Merytamun e Matnefrure – a princesa hitita. No decorrer de sua vida o rei teve aproximadamente 100 filhos e viveu quase 90 anos. O melhor retrato de Ramsés II é uma estátua dele como jovem, agora no Museu Egípcio de Turim. Sua múmia, preservada no Museu Egípcio no Cairo, é a de um homem já idoso com um rosto longo e estreito, nariz proeminente e maxilar maciço. O reinado de conquistas e prosperidades de Ramsés II, o Grande, foi o último pico de poder do reino egípcio. Após sua morte o Egito conseguiu manter sua soberania. Ele foi um líder notável, exímio militar e administrador competente e fez com que o país fosse próspero em seu reinado. Alguns de seus feitos, no entanto, certamente devem ser levados para o seu estilo de publicidade, seu nome e seus registros de batalhas que foram encontrados em todo o Egito e na Núbia. Autor: Arthur Fanini Carneiro – Monitor do Museu Egípcio Referências Bibliográficas ARAÚJO, L. M. O clero de Amon no antigo Egito. Lisboa: Cosmos, 1999. DONADONI, S. O Homem Egípcio. Lisboa: Editorial Presença, 1994. GRALHA, J. Deuses, faraós e o poder: legitimidade e imagem do Deus dinástico e do monarca do Antigo Egito – 1550-1070 a.C. São Paulo: Ed. Hemus, 2002. MELLA, F. O Egito dos Faraós. São Paulo: Editora Hemus, 1998. MERTZ, B. Temples, tombs, and hieroglyphs. New York: HaperCollins e-books, 2007. MONTET, P. A Vida Cotidiana no Egito no tempo dos Ramsés. São Paulo: Ed. Livros do Brasil, 1989. NÉRET, G. Description of Egypt. Paris: Taschen, 2001. NOBLECOURT, C. D. Ramsés II, la veitable histoire. Paris: Warelet, 1996. SPALIGER, A. The Great Dedicatory Inscription of Ramesses II. Boston: Ed. Brill, 2009.

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Akhenaton – O Filho de Aton

Por: Guilherme Gemin – Monitor do Museu Egípcio Akhenaton foi um faraó da XVIII Dinastia no Reino Novo (1550 – 1070 a.C.). É filho de Amenhotep III, pai de Tutankhamon e marido de Nefertiti. Foi coroado oficialmente em Tebas, seguindo as tradições egípcias daquele momento. Governou em uma época favorável o Alto e o Baixo Egito (1353 – 1335 a.C.), pois havia controle administrativo, político e religioso, o que foi benéfico para que se realizassem modificações. Os faraós adquiriam o título através da hereditariedade e acreditavam na sua ligação sanguínea com o próprio deus Hórus. A autoridade de um faraó era atribuída através do poder divino, aonde exercia o sumo sacerdócio e a política interna e externa do Egito. Quando assumiu o trono, Akhenaton chamava-se Amenhotep IV. Mudou seu nome durante a realização das reformas a partir do segundo ano de reinado. Essas mudanças ocorreram em diversos campos: na política, na arte e na religião. A capital foi transferida de Tebas para Akhetaton – uma localidade praticamente no meio do Egito, onde encontramos nas montanhas desérticas uma representação do hieróglifo Akhet que na escrita egípcia quer dizer literalmente o “horizonte”. Portanto, Akhetaton quer dizer “horizonte de Aton”, trata-se de uma cidade planejada, construída e dedicada ao deus Aton – simbolizado pelo disco solar. Em todo o seu planejamento, a organização templária tinha como intuito realizar o culto a essa divindade, que era o deus criador de toda a humanidade e do mundo. Em sua religião não se estabelecia o caos, a escuridão e a morte. Por isso, o culto aos diversos deuses tradicionais acabou abolido do seu reinado. Os templos de Akhetaton possuíam o pátio a céu aberto – a luz do dia estava associada ao contato do deus com os seus fiéis, o que é possível observar através das estelas e representações dos templos que retratam esse culto. Apesar disso, as pessoas comuns foram impedidas de cultuar diretamente a divindade, cabendo somente a família real a realização das oferendas para Aton e adoração por parte da população. Toda a representação sobre a imagem de Akhenaton, como também de Aton, envolvendo sua crença se encerra no momento em que Tutankhamon assume o trono e volta a realizar as práticas religiosas antigas, permitindo então que os egípcios pudessem realizar oferendas para os diversos deuses anteriores a reforma de seu pai. Ciro Flamarion Cardoso cita “a reforma de Amarna não promoveu o monoteísmo, pois o faraó não renunciou à sua própria divinização, que pelo contrário, foi exaltada” (CARDOSO, p.125). Apesar dos esforços dos antigos egípcios para apagar essa história, Akhenaton é um dos faraós mais conhecidos e estudados na contemporaneidade. Embora Akhetaton tenha sido destruída logo após a morte do rei, seu período deixou um importante legado para diversas interpretações acerca do reinado de Akhenaton.     Referências Bibliográficas : http://www.historia.uff.br/revistaplethos/arquivos/numero1/gisela.pdf http://www.historia.uff.br/revistaplethos/nova/downloads/3,2,2013/5%C2%AA%20edi%C3%A7%C3%A3o%20completa.pdf#page=105 Traut, Emma Brunner. Os fundadores das grandes religiões(Akhenaton, o Iluminador). 1 ed. Local: Petrópolis, RJ. Editora Vozes. 1994. Xx p http://phoinix.historia.ufrj.br/media/uploads/artigos/6_-_De_Amarna_aos_Ramses_-_Ciro_Flamarion_Cardoso.pdf http://www.seshat.com.br/wp-content/uploads/2014/07/Semna-Estudos-de-Egiptologia.pdf

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Papiro Westcar

Por: Jeferson Fernando Nabosni – Historiador A partir da decifração dos hieróglifos por Champollion, no início do século XIX, uma vasta documentação passa a ser traduzida e estudada, assim a literatura egípcia antiga foi aos poucos sendo conhecida e organizada. Atualmente, os egiptólogos buscam compreender os escritos em sua própria estrutura textual, classificando-os como literatura crítica, gnômica, lírica, dramática, aventuresca e fantástica[1]. O Papiro Westcar se enquadra na categoria de Literatura Fantástica. Estes textos propõem a apresentação e feitos considerados mágicos e/ou fora da realidade, como o uso de poderes para dar vida e seres inanimados ou realizar proezas que interferem no funcionamento normal das coisas. Ainda, mostram forte ligação com questões religiosas e míticas. Dentro da egiptologia os papiros levam o nome da pessoa que o adquiriu pela primeira vez. Neste caso, tal fato é creditado ao inglês Henry Westcar, que o adquiriu no ano de 1824. Posteriormente, o papiro chegou às mãos do egiptólogo alemão Karl Richard Lepsius que iniciou os primeiros estudos. Contudo, somente após a morte de Lepsius, o papiro foi traduzido pelo alemão Adolf Erman. Com 1,58cm o documento é composto por doze páginas com aproximadamente 26 linhas cada. O texto está em hierático, nas cores preto e vermelho. Apresenta grande desgaste nas páginas e atualmente compõe o acervo do Museu de Berlim (Papiro de Berlim – 3033). O Papiro Westcar data do período dos Hicsos (séculos XVII – XVI a.C.), todavia, estudos mostraram que as páginas continham um texto mais antigo, que foi apagado, sendo reutilizado para a escrita atual. A atitude de reutilizar papiros foi comum no Egito antigo e é conhecida como palimpsesto, devido alto custo de produção de folhas novas. A série de relatos contida no papiro, mostra a presença de cinco contos, entretanto, do primeiro conto só restaram duas linhas; o segundo, o terceiro e o quarto conto estão completos e o quinto conto termina abruptamente. No geral, todas as histórias constituem o desejo do rei Khufu (Queóps em grego), da quarta dinastia, em alegrar-se escutando seus filhos. Considerados textos de escrita pobre e linguagem repetitiva, poderiam estar ligados a tradição oral. Pretendemos apresentar, de forma breve as três histórias completas, mesclando trechos originais com explicações. O primeiro conto completo retrata uma história de adultério. Ubainer, chefe dos sacerdotes-leitores, após descobrir que sua esposa se encontrava com um homem, no jardim de sua própria casa, resolveu se vingar. Com a ajuda de seu mordomo, retira um pedaço de cera de uma caixa mágica, modela um crocodilo e pede que o coloque no tanque do jardim, mas antes recita tal encantamento: “Quem quer que venha banhar-se em meu tanque, agarra-o com tua boca”. No dia seguinte, assim acontece, quando o homem adentra ao tanque, o crocodilo de cera “… virou um animal vivo com 3,66m” que agarrou-o, e levou para o fundo do lago. Mais tarde, quando o dono da casa chega, chama o animal que traz o amante. Ubainer ordena ao crocodilo, que o leve ao fundo do lago e nunca mais o tire de lá, já sua esposa foi condenada e acabou sendo queimada. O segundo conto mostra as proezas de um mago durante um passeio do rei no lago do palácio. O rei Sneferu, estando muito deprimido, chamou o chefe dos sacerdotes Djadjaemankh, para que criasse algo que animasse seu coração. O sacerdote ordena que preparem uma barca com as mais belas moças do palácio. Assim, o rei saiu passear; em certo momento uma das moças, que estava a remar, começa a chorar, pois teria derrubado um amuleto em forma de peixe na água do lago. O rei tentou dar outro presente a moça, contudo, ela queria seu amuleto. Djadjaemankh é chamado para resolver o problema. Utilizando de fórmulas mágicas ele abre as águas do lago, desce ao chão e recupera o enfeite da moça. O terceiro conto traz as histórias do velho mago, Djédi, que teria cento e dez anos. O filho do rei é enviado para o encontrar, e após alguns dias de viagem, o mago já estava no palácio. Dentre suas maiores proezas, ele conseguia unir uma cabeça separada de um corpo, fez isto diante do rei com um ganso e um boi. Ganhou grande prestígio na corte. O mago ainda dizia saber onde se encontravam as câmaras secretas de Toth, que o rei esmerava copiá-las em seu templo funerário. Ao exigir que o mago mostrasse o local, Djédi afirmou que não estava em seu poder entregar estes segredos, dizendo que o local seria mostrado pelo filho mais velho de Rededjedet, uma mulher que dará à luz aos reis da próxima dinastia. O Papiro Westcar é considerado uma das peças mais importantes da literatura egípcia. Rosalie David aponta que todas as histórias tinham “objetivos propagandísticos políticos e religiosos”, enaltecendo os reis e seus sacerdotes. Estas características estão associadas à tradição oral dos contadores de histórias, que migravam de uma cidade para outra, a fim de perpetrar grandes feitos do passado. [1] Tal proposta é apresentada por Emanuel Araújo em: ARAÚJO, E. Escrito para a eternidade: a literatura no Egito faraônico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Imprensa Oficial, 2000.    

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A Grande Pirâmide do Egito mistério ou ciência?

O governante do Egito, ao longo de sua vida, encomendava construções monumentais para legitimar seu poder e eternizar seu nome na história, daí a expressão que conhecemos, “obras faraônicas”. Já o processo de mumificação após a morte, segundo a crença egípcia, garantia a eternidade na vida além túmulo, o Duat, paraíso agrário governado pelo deus Osíris. Tais circunstâncias, foram a motivação para a construção desses complexos piramidais, que tinham a função de abrigar o corpo mumificado daquele que era o representante divino dos deuses na terra, o próprio faraó. A primeira pirâmide construída no Antigo Egito, está localizada no deserto de Saqqara, a nordeste da cidade de Mênfis, e data do Reino Antigo (2735-2195 a.C). Ela é conhecida como a pirâmide de degraus, e foi construída pelo famoso arquiteto da antiguidade, Imhotep a pedido do faraó Djoser (2680-2660 a.C), para ser sua tumba. Porém, as pirâmides mais conhecidas atualmente, são as três pirâmides do complexo de Gizé, nos arredores da cidade do Cairo, atual capital egípcia. Tais monumentos, foram construídos pelos faraós, Quéops, Quéfren e Miquerinos durante a IV Dinastia (2575-2465 a.C.) do Reino Antigo. A maior delas, nomeada de a Grande Pirâmide de Gizé, é a do faraó Quéops, construída durante o seu reinado em 2605-2580 a.C. Considerada uma grande obra de engenharia e arquitetura da antiguidade, possui aproximadamente 146 metros de altura, e cerca de 52,9 mil metros quadrados de superfície, feita de blocos de pedra calcária, extraídas de pedreiras em Aswan e Tura. Os estudiosos acreditam que ela levou de dez a vinte anos para ser construída, pelo esforço de milhares de construtores, trabalhadores contratados, como revelam os fragmentos de papiro descobertos no antigo porto de Wadi al-Jarf, no Mar Vermelho. Esses papiros faziam parte do diário de um funcionário envolvido na construção da Grande Pirâmide, chamado Merer, tais documentos, nos revelam três meses do cotidiano deste egípcio, assim como, um pouco do processo de construção da própria pirâmide. Por vários anos a Grande Pirâmide abrigou a múmia e o enxoval funerário com as riquezas do faraó, contudo, ao longo do tempo, ela foi vítima de saque por parte de estrangeiros e dos próprios egípcios. A múmia, assim como o tesouro de Quéops foram roubados. O que restou dentro da pirâmide foi apenas um dos sarcófagos do faraó e uma pequena estatueta sua, atualmente exposta no Museu do Cairo. Em seu interior, além de várias passagens, há três compartimentos, a Câmara do Rei, a Câmara da Rainha e a Grande Galeria com 47m de comprimento e 8m de altura. Contudo, descobertas recentes, desenvolvidas pelo projeto ScanPyramids, que utilizou uma tecnologia de raios cósmicos para scanear o interior da construção, encontrou um espaço vazio de aproximadamente 47 metros de diâmetro um pouco acima da Grande Galeria. Agora, a equipe de cientistas quer desenvolver um robô para adentrar neste espaço, pois ainda não se sabe qual a função dele e nem se há algo lá dentro, apenas especulações. Milhares de anos depois, além de ser um dos pontos turísticos mais visitados do mundo e considerada Patrimônio Mundial da Unesco e uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, a Grande Pirâmide de Gizé, desperta a curiosidade humana e traz à ciência novas revelações sobre o conhecimento dos antigos egípcios. Por: Jéssica Franco – Estagiária do Museu Egípcio e Rosacruz Referências: www.seshat.com.br (cronologia) www.leitoradoantiguo.org MASPERO, G. Textos Sagrados das Pirâmides. Tradução: Raul Xavier. Editora Livros do Mundo Inteiro, Rio de Janeiro. JOHNSON, Paul. Egito Antigo. Editora Ediouro, Rio de Janeiro, 2010. SÁNCHEZ, José Luis. A História Cotidiana às Margens do Nilo. Tradução: Francisco Manhães, Marcelo Neves, Carlos Nougué e Michel Teixeira. Editora Time-Life Inc. Barcelona, 2007.

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Pensamentos do Antigo Egito: o diálogo entre o homem desesperado e o seu bá

Por Ewerson Dubiela –  Historiador do MuseuEgípcio Como produção literária dos antigos egípcios, o chamado diálogo entre o homem desesperado e o seu bá é um dos textos mais discutidos e debatidos no meio acadêmico, possuindo mais de setenta artigos e traduções com diversas explicações desde o ano de 1896. A obra foi classificada de diversas formas como, por exemplo, sendo parte de uma autobiografia de um nobre ou como a memória pós suicídio de um líder de uma revolta através de um discípulo. Mais recentemente, tem se considerado o fator de uma discussão de valor a respeito da morte e da relação entre vivos e mortos. Por qual motivo há tantas interpretações acerca de um único texto? Um dos motivos principais é o fato de ter chegado à nossa época apenas uma cópia, presente no papiro de Berlim, 3024. Tal papiro é datado da XII Dinastia (2040-1640 a.C.), possui 155 colunas verticais com a escrita hierática – esta possuía uso sacerdotal e derivava diretamente dos hieróglifos. Sua forma de grafia está bem feita, mas ainda assim possui erros e omissões, bem como outros papiros com outras histórias, e por isso pode ser uma cópia do original que deve ter sido produzido décadas antes. Quanto ao tamanho do papiro Berlim, 3024, atualmente possui de 15,9 cm à 16,4 cm de altura e 326 cm de comprimento, podendo ter perdido cerca de 66 cm de seu início. Recentemente, a pesquisadora espanhola Marina Escolano Poveda encontrou parte do início do texto que ainda está em análise. O documento foi encontrado na cidade de Luxor no ano de 1830 junto com outros três papiros, os manuscritos B1 e B2 do texto O camponês eloquente e o manuscrito B com um texto que já abordamos: o Conto de Sanehet. Sabe-se que os textos foram produzidos por diferentes escribas da época do faraó Amenenhat III (1844-1797 a.C.), pois possuem diferentes formas de caligrafia. Quem são as personagens desse conto? Primeiramente existem apenas duas personagens, o homem e o bá, o qual podem ser definidos como “ser” e “alma”. Portanto, o diálogo se desenrola pela conversa entre esses dois protagonistas. Como o início está perdido, o nosso texto começa na metade da fala do homem que demonstra um certo temor por seu bá deixar o seu corpo no dia de sua morte. Entretanto, o bá recusa a morte e o homem argumenta que sua alma deve permanecer junto dele quando o momento chegasse. Há um motivo para essa discussão estar em volta de um tema carregado como “a morte”. O homem pede duas vezes para que o Ocidente, ou seja, o mundo dos vivos, se torne mais leve, a primeira para o seu próprio bá, sua alma, e a segunda para os deuses. Observa-se que apesar do desespero do homem, ele ainda pede que sua vida terrena seja mais leve e que seu bá tenha paciência e que o deixe partir naturalmente e não de maneira forçada. Mesmo assim, o bá pensa na morte imediata, pois quer ir para o mundo dos deuses. Trata com futilidade os preparativos funerários e fala ao homem sobre as tristezas de um enterro. De maneira literária, esse momento pode ser uma crítica do autor quanto ao protocolo funerário tradicional. A partir daí, parece que há uma troca de posicionamento entre o homem e o bá, pois a alma lhe diz: “Ouve-me! Eis que é bom para um homem quando ele ouve. Sê alegre um dia, não te preocupes!” E então, defendendo a vida, a alma cita duas parábolas para incentivar o homem, a parábola do fazendeiro e a da refeição matinal. A primeira parábola trata com ênfase a morte irreparável, ou seja, aquela em que não houve chance de viver: Um homem humilde lavra seu pedaço de terra e carrega sua colheita num barco. Faz sua viagem rebocando o barco, pois se aproxima seu dia de festa. Ao ver chegar o anoitecer com o vento norte, fica vigilante no barco quando Ra se deita e assim sai com sua mulher e seus filhos, mas acontece o desastre no lago infestado de crocodilos à noite. Então ele se senta, quebra o silêncio e diz: Não choro por aquela mãe, que não pode voltar do Ocidente para viver outra vez na terra. Penso nos seus filhos quebrados no ovo, que viram o rosto do crocodilo antes de poderem viver. A segunda indica a ideia de um desejo antes da hora apropriada, que no contexto da obra se coloca como “apressar o momento da morte”. Mas também que uma situação feliz pode mudar a qualquer instante, portanto uma reflexão para aproveitar a vida. O homem humilde pede a refeição matinal, mas sua mulher lhe diz: é para o jantar. Ele sai porta afora reclamando e ausenta-se por algum tempo. Ao voltar para casa é como se fosse outro homem, sua mulher lhe implora e ele não a ouve porque continua a reclamar, sem prestar atenção a ninguém. A resposta do homem acaba se apresentando numa série de quatro poemas que, de maneira resumida, tratam de questões da moralidade egípcia daquele momento – que se encontrava em decadência. Tais poemas mencionam rebelião contra o rei, brigas entre amigos e irmãos, o desejo de morte e a impressão de repelência dos deuses. A última fala, que pertence ao bá, mostra uma reconciliação entre o homem e a alma. Esta tem um papel de apologia à vida e um compromisso final que rejeita a morte prematura e aceita a morte natural: é a morte natural que permite ao egípcio ter felicidade no outro mundo e, ao final, a reconciliação do ser. O texto é finalizado com um colofão que diz: “Acabou do princípio ao fim, tal como estava no escrito”. Assim, o texto é em termos atuais, bastante filosófico, um pensamento sobre vida e morte, um ensinamento de uma parte da cultura egípcia antiga. Busto do faraó Amenenhat III – XII Dinastia – Museu do Cairo – Cairo – Egito. Representação do Bá da rainha Nefertari – XIX Dinastia – Tumba de

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O Conto do Náufrago

Foi durante o período que conhecemos como Reino Médio (2040-1640 a.C.) que a literatura egípcia floresceu. Até o Primeiro Período Intermediário (2134-2040 a.C), grande parte dos textos eram autobiografias, presentes nas tumbas da elite egípcia, ou referências religiosas, como o Texto das Pirâmides. Durante o Reino Médio o acesso a escrita tornou-se mais próxima da elite, e textos utilizados no processo de aprendizado da língua egípcia foram elaborados. Assim, a literatura que passou a ser criada nesse momento estava associada à formação dos escribas e também tinha a intenção pedagógica de transmitir um ensinamento, geralmente relacionado as regras sociais, para os aprendizes. Com essa intenção, chegaram até nós hinos e narrativas sobre a vida e a moral egípcia, além de histórias fantásticas, como é o caso do Conto do Náufrago que aqui apresentamos. O Conto do Náufrago, também conhecido como “A Ilha da Serpente”, foi escrito durante a segunda metade da XII dinastia, entre 1878 e 1797 a.C., nos reinados de Senusret III ou Amenenhat III. Os títulos são modernos, pois dificilmente os egípcios davam nomes para os seus textos. Embora, possivelmente, tenha sido copiado por muitos apendizes de escribas que passavam pelo processo de ensino, conhecemos apenas um único manuscrito com o conto em questão, o papiro Ermitage 1115, presente na coleção do Museu Pushkin, em Moscou – Rússia. Produzido em hierático, escrita egípcia utilizada principalmente em papiro, possui 3,80 metros de comprimento por 12 cm de largura. Foi transcrito para caracteres hieroglíficos em 1913, por Golénischeff, pesquisador que encontrou o papiro em um armário do Museu Hermitage, em São Petesburgo, em 1881. Desde então, tem sido interpretado por vários egiptólogos que se dedicam à literatura do Egito Antigo. O conto apresenta-nos três personagens: o comandante de uma embarcação -possivelmente responsável por uma missão real à Núbia, o companheiro excelente que narra a história e o deus serpente. No conto há três histórias relacionadas a cada uma das personagens. No início o capitão da embarcação demonstra sua preocupação, ao passo que o companheiro excelente, que também é o narrador da história tenta animar o seu interlocutor. Assim, decide contar uma história que ocorreu consigo em um momento de desespero, quando único sobrevivente de um naufrágio no Nilo acabou indo parar em uma ilha. Neste lugar, depois de três dias sozinho, encontra-se com uma serpente gigante, senhor da Ilha do Ka, onde nada faltava. A serpente que tinha os atributos dos deuses como a barba de lápis lazuli e corpo de ouro, o ameaça caso não contasse como fora parar ali. Após a serpente escutar sua história como único sobrevivente de um acidente que havia ocorrido com uma embarcação que levava os marinheiros mais experientes do Egito, a serpente também narra a sua própria história. Conta que na ilha viviam setenta e cinco serpentes como ela, até que uma catástrofe ocorreu e ela era também a única sobrevivente do ocorrido. O deus serpente profetiza que o náufrago passaria um tempo na ilha, até que fosse resgatado e morreria em solo egípcio, junto de sua família. A profecia cumpre-se e quando o náufrago está pronto para retornar, a serpente o presenteia com diversos produtos muito valorizados pelos egípcios. Quando chegou ao Egito foi recebido pelo faraó e concedeu os presentes da serpente ao rei, sendo igualmente presenteado com duzentos servos. O comandante que havia escutado a história, não acredita que com ele a situação será igual e permanece pessimista quanto ao seu fim. Os textos elaborados durante o Reino Médio, como dissemos, tinham como uma de suas missões o ensinamento, mas o que um conto ficcional como esse poderia ensinar sobre a moral e a cultura egípcia? Por exemplo, expressões utilizadas no conto mostram a importância de saber ouvir para o egípcio, esta era uma virtude da qual dependia a vida social. Também o risco de morrer fora do Egito e longe da família que não poderia realizar as cerimônias relacionadas à crença na vida além-túmulo. Pesquisadores como Telo Ferreira Canhão e John Baines acreditam que ele possui uma interpretação literal e outra simbólica, na qual informações sobre a religião egípcia estão presentes, porém apenas os iniciados no conhecimento religioso poderiam compreender. Entre outras informações importantes podemos destacar o nome da ilha: Ka era a palavra egípcia para a energia vital do indivíduo, bem propício para um local que no conto representa a fartura de alimentos. Outro ponto importante é que a serpente é também mencionada como governador de Punt, região da qual provinha desde o Reino Antigo a mirra, o incenso e outras substâncias aromáticas, bem como ouro, marfim, madeiras exóticas e diversas espécies animais, locais ou provenientes de outras regiões africanas. Este era um território parceiro comercial do Egito Antigo e foi referenciado até a época Greco-Romana. Outro fato incomum relacionado ao Conto do Náufrago é ter a assinatura do escriba que o copiou, Amenaá, filho de Ameni. Dificilmente encontramos o responsável pela cópia do texto. Esse fato pode nos levar a pensar que ele, ou seu pai, foram pessoas importantes em seu período. Também se acredita que havia uma introdução ao conto hoje perdida e que explicaria melhor as personagens e o drama do comandante da embarcação. Outros aspectos sobre a sociedade egípcia antiga podem ser encontrados no Conto do Náufrago, pois como dissemos, esses textos dedicavam-se a formação de futuros escribas. Assim, encontramos neste conto componentes mitológicos em relação a interação do náufrago com a divindade, o pensamento religioso egípcio, além de preceitos sobre a conduta em sociedade. Por: Vivian Noitel Valim Tedardi – Historiadora   Wladimir Golenischeff que encontrou o papiro no Museu Imperial de São Petesburgo e o traduziu pela primeira vez Bibliografia ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade: a literatura no Egito faraônico. UNB, Brasília, 2000. BAINES, Jhon. Interpreting the Story of the Shipwrecked Sailor. Journal of Egyptian Archaeology, 1990. p.55-72. BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. O Conto do Náufrago – Papiro Ermitage 1115. Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. CANHÃO, Telo Ferreira. O Conto do Náufrago – um olhar sobre o Império Médio.

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O conto de Sanehet

Ewerson Dubiela Historiador do Museu Egípcio O conto de Sanehet – conhecido também por Sinuhê – é um dos mais antigos textos de criação dos egípcios. Sanehet é protagonista dessa saga da literatura nilótica, entretanto não há provas de sua existência, tampouco imagens que possam ilustrá-lo. Assim, apenas os textos desse conto nos chegaram com seu nome. A coletânea é datada da XII Dinastia (1991-1793 a.C.), mas muitas das fontes são de períodos posteriores. A cópia mais conhecida e utilizada pelos pesquisadores que desejam fazer traduções e análises é o papiro de Berlim P3022, além de contarem com o Papiro Ramesseum (Berlim 10499). Os dois estão fragmentados, mas se completam e nos oferecem o texto na íntegra. O nome da personagem Sanehet pode ser traduzido como “Filho do Sicômoro”. Mas, afinal de contas, quem foi Sanehet? Como vimos antes, não há provas da existência dessa personagem, entretanto, ao iniciar o texto, o protagonista se apresenta como um shemesu, ou seja, um membro militar de elite, encarregado da proteção da princesa Neferu, filha do faraó Amenenhat I e esposa do príncipe Senusret I. Fora isso, o nosso personagem declara-se de serviço nas terras dos tjemehu, um povo estrangeiro de provável localização na atual Líbia – à oeste do Delta do Nilo. É provável que Amenenhat I tenha sido assassinado, sabe-se disso por conta de outra história: as instruções de Amenenhat para Senusret – no Conto de Sanehet, o motivo da morte do rei não é mencionado. Ao ouvir sobre a morte do faraó, Sanehet ficou apavorado e esse medo o levou à uma fuga que só terminaria quando estivesse idoso. O motivo também não é relatado e apenas podemos pensar sobre uma conspiração a qual o nosso protagonista ficou a par de alguma forma. Fugindo, Sanehet declara os lugares por onde passou até chegar às cidades de Qeden (possível bíblica Jericó) e Biblos, seu destino final. Nessa última cidade, ele conhece o príncipe Amunenshi que o acolhe, lhe dá terras, riquezas, uma tribo e sua própria filha em casamento. A terra, chamada Iaa, é descrita no conto como um lugar onde “havia figos e também uvas, e tinha mais vinho do que água. Seu mel era copioso e seu azeite abundante. Em suas árvores havia toda espécie de fruta. Também havia ali muita cevada e trigo, e os rebanhos de todo tipo eram inumeráveis”. E assim, Sanehet viveu em terras estrangeiras sendo um homem de confiança do príncipe Amunenshi. Entretanto, não esperava o dia em que “um homem forte do retenu” o desafiasse, afinal, além de deter a confiança de Amunenshi, era também um Shemesu egípcio, um soldado de elite. Durante a noite, Sanehet preparou-se para o duelo iminente, relatando-o e descrevendo como venceu o guerreiro estrangeiro. Com o calor da batalha já superado, o nosso protagonista tem um sentimento de saudade por sua terra natal e pede para que o deus que o tirou do Egito tenha misericórdia e permita que ele possa voltar para casa. No texto, o nome desse deus não aparece e mesmo Sanehet o desconhece, ele diz: “qualquer que tenha sido o deus a ordenar essa fuga, tem misericórdia e leva-me de volta para a Residência! Decerto deixarás que eu reveja o lugar onde mora o meu coração!”. O episódio da batalha contra o “homem forte de Retenu” parece ter ficado famoso mesmo naquela época, pois o conto de Sanehet indica que o rei Senusret ouviu falar da situação da personagem e assim, lhe enviou uma carta questionando o antigo soldado sobre sua fuga do Egito e ordenou que voltasse à terra natal. Senusret I sabia que Sanehet não era culpado pela morte do antigo faraó, Amenenhat I – mesmo assim, a personagem se desculpa por ter fugido e acata a ordem do rei egípcio. O último dia do protagonista na terra de Iaa foi marcado pela divisão dos seus pertences para os seus filhos, onde o mais velho ficou no comando da tribo. Sanehet fez seu caminho de volta ao Egito, onde foi recepcionado pelas tropas de Senusret na fronteira egípcia e levado à capital, It-Tawy, aonde a família real o aguardava. Quando chegou, o confundiram com um asiático, mas foi barbeado, penteado, vestiu roupas egípcias e logo voltou a ser o egípcio que servira ao seu rei vários anos antes. Sanehet ganhou uma casa e uma tumba para preparar-se para o outro mundo. Terminou sua vida já idoso e perdoado pelo faraó. Esse texto foi efetivamente conhecido pela classe dos escribas ao longo de mais de 700 anos. O mesmo foi produzido durante um período em que as Instruções, textos que demonstram valores e a moral egípcia, foram escritas e nessa modalidade, a coletânea também transmite formas de mostrar ao leitor a vida ideal egípcia e a sabedoria real e divina. Por isso, essa produção é a mescla de uma possível autobiografia egípcia, instruções de sabedoria e rituais de renovação divina. Papiro Berlim 3022 com o Conto de Sanehet Lintel de Amenenhat I.

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O Faraó Narmer: Senhor das Duas Terras

  Predominantemente desértica, a região onde se encontrava o Egito Antigo tinha pouca vegetação, que se concentrava principalmente às margens do rio Nilo. Esse fato levou os egípcios a abandonarem seus comportamentos nômades e se assentarem em territórios próximos ao rio, chamados de “nomos”. Esses grupos passaram a se unir no decorrer do período chamado de Pré-dinástico, fosse de maneira pacífica ou por meio de conflitos. Esse processo se deu até que se formassem dois principais reinos: o Alto Egito, a região do vale do rio Nilo; e o Baixo Egito, a região do delta do rio Nilo. Essa configuração se manteve até aproximadamente 3100 a.C., quando o Egito foi então unificado, provavelmente pelo faraó Narmer, rei do Alto Egito. A unificação do Egito que ocasionou a fundação da primeira dinastia é um fato do qual muitos têm conhecimento. Entretanto, saber quem foi realmente seu principal responsável é um problema bastante recorrente até mesmo para os estudiosos do Egito Antigo na atualidade. As hipóteses mais comuns são de que o faraó unificador possa ter sido Narmer, Menés ou Aha, todos nomes de governantes encontrados em diversas fontes. A comunidade de egiptólogos considera atualmente que o mais provável é que o unificador seja Narmer, pois, a Paleta de Narmer, a principal fonte que se tem daquele período, nos dá essa pista. A Paleta de Narmer vem sendo interpretada de diversas formas pelos egiptólogos desde que foi encontrada, no final do século XIX. Esses pesquisadores tentam resolver numerosas e diferentes questões, desde as origens políticas do Estado egípcio à natureza da arte e escrita egípcias. Descoberta em 1898 em Hieracômpolis, a antiga cidade de Nekhen, a Paleta que possui formato de escudo e foi feita em pedra escura e esverdeada, com 63 cm de altura e decoração em relevo esculpido em ambas as faces, geralmente é datada como sendo do início do período dinástico arcaico (c. 2920-2770 a.C). O conteúdo complexo que a decoração da Paleta traz, suas imagens e inscrições, incorporam uma série de aspectos altamente característicos da arte faraônica. A representação das pessoas e animais como uma combinação de elementos frontais e laterais e o uso do tamanho como meio de indicar o nível de importância de cada indivíduo, estabelece a iconografia como demonstração de poder. Na parte frontal da Paleta de Narmer há uma representação de leões de pescoço comprido entrelaçados sendo domados por dois homens. Esses animais “domados” podem representar especificamente a unificação das duas metades do país, que é um tema recorrentemente presente na arte e textos egípcios ao longo do período faraônico. O círculo formado pelos pescoços entrelaçados desses animais cria engenhosamente uma depressão no centro da Paleta, onde os pigmentos para a pintura dos olhos poderiam ser triturados (o propósito original desses tipos de paleta), entretanto, não há claros indícios se esse artefato cerimonial era realmente utilizado para essa função. Objetos rituais como a Paleta de Narmer, muito provavelmente, transcendiam seu suposto uso, pois assumiam, por exemplo, o papel de oferendas, dedicadas ao templo de Hieracômpolis. Ao analisar o conteúdo dessa face da Paleta, vemos o faraó participando de uma procissão com outras seis pessoas, incluindo duas figuras que têm metade do seu tamanho. Estes dois homens, evidentemente representam funcionários de alto escalão. O rei e seus servos estão revisando os corpos decapitados de seus inimigos, presumivelmente derrotados em batalha. No registro superior na frente da Paleta, acima dos animais entrelaçados, há a figura do faraó egípcio Narmer entre duas cabeças de vaca, que representam a deusa Bat. Narmer é mostrado com a chamada Coroa Vermelha, que representa seu domínio sobre o reino do Baixo Egito. Enquanto que na outra face da Paleta, vemos em destaque a figura do faraó utilizando a coroa do reino do Alto Egito. Nesse sentido, percebemos a grande importância desta Paleta para compreendermos melhor a figura de Narmer e a união entre o Alto Egito e o Baixo Egito como um único reino, sob o poder deste rei. Além do que vemos nas imagens da Paleta de Narmer, outro indício que complementa a teoria de que o rei foi o unificador do Egito é a interpretação de seu nome. O arqueólogo Flinders Petrie (1853-1942) foi um dos primeiros a afirmar que Narmer e Menés seriam uma única pessoa, o primeiro faraó da primeira Dinastia e que os dois nomes designavam um só homem: Narmer era seu nome, representado foneticamente pelos hieróglifos do peixe-gato (nr) e do cinzel (mr), uma interpretação do nome do deus Hórus; e Menés era um título honorífico ou algo semelhante, que significaria “aquele que perdura”. A Paleta de Narmer está exposta atualmente no Museu Nacional Egípcio do Cairo. No Museu Egípcio e Rosacruz há uma réplica da Paleta feita em tamanho real e que pode ser vista pelos visitantes. Por Jessica Cabral – Monitora do Museu Egípcio e Rosacruz   Referências CERVELLÓ-AUTUORI, Josep. The Thinite “Royal Lists”: typology and meaning. Disponível em: <http://pagines.uab.cat/iepoa/sites/pagines.uab.cat.iepoa/files/Cervello-Autuori_Toulouse-Abstract.pdf>. Acesso em: 23/08/2017. ______________. Was King Narmer Menes?. Archéo-Nil. vol. 15, 2005. Disponível em: <biblio.ebaf.edu/cgi-bin/koha/opac-ISBDdetail.pl?biblionumber=316185>. Acesso em: 20/09/2017. MERTZ, Barbara. Temples, Tombs and Hieroglyphs: A popular history of Ancient Egypt. HarperCollins e-books. 2007. MUSEU EGÍPCIO E ROSACRUZ. Paleta de Narmer. Tesouros do Museu. Disponível em: <http://museuegipcioerosacruz.org.br/tesourosdomuseu/paleta-de-narmer/>. Acesso em: 15/09/2017. SHAW, Ian. Ancient Egypt: A very short introduction. Oxford, 2004. pp.1-9. _________. The Oxford History of Ancient Egypt. Nova York: Oxford University Press, 2000.

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