Por Ewerson Dubiela – Historiador do Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon
Os antigos egípcios, bem como outras civilizações da antiguidade, procuraram conexões e relações com o céu noturno e diurno com a intenção de interpretar seus elementos conforme as necessidades de sua sociedade. Assim, os astrônomos, chamados de sbAy, observavam o movimento do Sol, as fases da Lua, o movimento das estrelas, dos planetas e de outros corpos celestes aparentes, considerando todos como parte de Maat, essa ordem gerada e mantida pelas divindades, onde tudo deveria se repetir dia após dia como no ato da criação. Através dessa atividade, conseguiam elaborar elementos arquitetônicos com significados religiosos e alinhamentos extremamente precisos, além do próprio calendário e rituais específicos.
Estas concepções são, na atualidade, percebidas através da arqueoastronomia, a ciência que observa os artefatos e sítios arqueológicos e suas conexões e reconstruções de seus alinhamentos com os céus.
No caso da Grande Pirâmide do faraó Queops, a sua arquitetura demonstra o desejo do rei em ascender aos céus após o seu enterro. Para compreendermos seus alinhamentos, precisamos recorrer aos Textos das Pirâmides que surgiram, pela primeira vez, na V Dinastia (2465-2323 a.C.) na pirâmide do faraó Unas, em Saqqara. A pirâmide de Queops, bem como as pirâmides de Quéfren e Miquerinos, não possuem decoração ou textos nas suas câmaras e corredores e, por isso, conhecemos seus significados a partir da dinastia seguinte.
A arquitetura da Grande Pirâmide possui um corredor ascendente que leva para fora da pirâmide em um ângulo de 13º que aponta para o polo norte celestial. Ali, podemos encontrar um grupo de estrelas que constituem constelações egípcias. Assim, onde encontramos a constelação de Ursa Maior, os egípcios identificavam a constelação da pata de touro, Meskhetiu; e, possivelmente onde vemos a constelação de Dragão, os egípcios compreendiam Isis-Djamet, ou “Isis, festa no céu” – suas estrelas eram as mais próximas do polo norte celeste. Desse modo, esse grupo de constelações constituíam aquilo que é traduzido nos Textos das Pirâmides como Aquelas que não conhecem o vazio (ikhmw-ski) e percebidas como espíritos akh que deveriam guiar o ba (princípio de mobilidade do ser, podemos compreender como alma) para fora da pirâmide e em sua direção, de maneira a ascender aos céus. O seu nome vem de sua característica, visível até os nossos dias, em que elas não se põem abaixo da linha do horizonte e, devido ao movimento do nosso planeta, de maneira aparente, giram em um círculo perfeito durante a noite toda. Essa movimentação foi notada muito antes da construção do sítio de Gizé, sendo aproveitada pela primeira vez em uma pirâmide pelo arquiteto Imhotep, quando construiu em Saqqara, para o faraó Djoser da III Dinastia (2649-2575 a.C.), a primeira pirâmide do Egito, chamada hoje de escalonada. Todas as pirâmides construídas no Egito, teriam essa demonstração, mesmo que fosse através de uma porta falsa, como foi o caso das construções de períodos posteriores, como as do Reino Médio (2040-1640 a.C.).
Dentro da Grande Pirâmide de Queops, existem três câmaras principais, uma sendo abaixo da estrutura, dedicada ao deus Sokar, uma divindade que habitava o inframundo; outra que é a Câmara da Rainha; e a última que é chamada de Câmara do Rei. Nas duas últimas existem pequenos corredores, chamados de canais de ventilação, apesar de não terem esta função. Ao total são quatro canais, sendo dois na Câmara da Rainha e dois na Câmara do Rei. Respectivamente, dois estão apontados para o polo norte celeste, cujo significado já conhecemos e dois para o sul. Assim, o canal de ventilação sul da Câmara da Rainha está apontado para a estrela Sopedt, a representação da deusa Isis no céu, enquanto que o canal de ventilação sul da Câmara do Rei está apontada para a constelação de SaH, uma forma de Osíris. Dessa maneira, o rei e a rainha seriam conectados à mitologia osiriana. Para nós, Sopedt é a estrela Sothis, presente na constelação de Cão Maior, enquanto a constelação de SaH corresponde a Órion.
Em relação à Gizé, de maneira geral, existem alinhamentos solares que se produzem até os nossos dias e que foram percebidos pelos egípcios antigos. Estes ocorrem em três datas a cada ano: no solstício de inverno, no de verão e no equinócio de primavera. Nessas datas, o sol nasce e se põe entre as pirâmides de Queops e de Quefren produzindo um efeito chamado de hierofania (demonstração do sagrado). Nesse sentido, se reproduzia na paisagem o hieróglifo egípcio Akhet, que quer dizer Horizonte. Como os hieróglifos egípcios são pictográficos, ou seja, são cenas do cotidiano, esta palavra era constituída pelo sinal de duas montanhas e uma esfera solar entre elas. O Akhet, além disso, era também um lugar sagrado e de passagem entre o mundo dos vivos, que fica no Leste, e o mundo dos deuses, que fica no Oeste, para onde os mortos deveriam seguir após o seu enterro.
Por fim, os faraós da IV Dinastia que construíram em Gizé, produziram um grande projeto na paisagem do local. É bastante visível que os arquitetos responsáveis por elas, como Hemiunu, o arquiteto da Grande Pirâmide, se preocupassem com as conexões mitológicas dos reis. Assim, tomaram o cuidado para que suas esquinas sudeste se conectassem numa grande linha reta que foi apontada na direção sudeste-nordeste, para onde estavam as cidades de Hermópolis e Heliópolis, as cidades onde as mitologias da criação divina do mundo e do deus sol, Ra, foram elaboradas, trazendo à tona a importância dos locais e seus sacerdotes e crenças. Nestas localidades, a criação teve início com as águas primordiais ou caóticas constituídas pela ogdoada, um conjunto de oito deuses primevos. Deste oceano cósmico, surgiria uma montanha chamada Ben Ben, o primeiro pedaço de terra. Então, uma ave sagrada chamada Benu pousara e grasnou, acordando o deus que estava adormecido dentro da montanha. A ave voou, enquanto Ra, o deus sol, despertava. Rá iniciou a criação e o propósito das pirâmides era comparar o rei com o próprio deus, pois estas eram a representação de Ben Ben, o que possibilitava ao governante sua assimilação com a divindade solar a partir de sua forma e alinhamentos.
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