O Reino Médio

Rafaela Gouvea – monitora do Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon

O Reino Médio foi um período marcado pela estabilidade política e econômica. Ele se inicia com a XII dinastia que durou aproximadamente de 2040 a.C a 1640 a.C. Após uma fase de declínio do poder real enfrentada pela sociedade egípcia, os reinados tebanos do Reino Médio buscaram restaurar o controle e unificar o território por meio de um poder centralizado, apoiando-se em um discurso que empregava tanto a valorização do passado glorioso do Reino Antigo, como os ensinamentos trazidos pelo período de crise do Primeiro Período Intermediário.

A XII dinastia foi iniciada com reinado de Amenemhat I, que muito provavelmente foi vizir do último soberano da XI dinastia, Montuhotep IV. A XII dinastia teve oito governantes, sendo os governos de Senusret I, Senusret III e Amenemhat III os mais marcantes. Os faraós do Reino Médio empregaram uma série de reformas administrativas. Os nomos transforaram-se em novas unidades territoriais de referência e, dessa forma, a administração regional funcionou conjuntamente às estruturas governamentais, que tornaram possível o bom funcionamento das instituições monárquicas naquelas regiões. Os governantes dessa dinastia se destacaram por afirmar uma independência em relação aos seus predecessores, possivelmente devido as condições de subida ao trono de Amenemhat I, que permanecem pouco esclarecidas. A legitimação ao trono está ligada à forma como a literatura foi empregada durante o período, pois permitiu que um governante não pertencente à linhagem real originária subisse ao trono.

A produção literária do Reino Médio chegou até os dias atuais em fragmentos e referências que podem ser encontrados em textos posteriores. Esses textos permitem a compreensão de parte do pensamento dos antigos egípcios e de sua organização naquele período.

Assim como em outros momentos, a maioria dos textos estavam relacionados a propósitos religiosos e funerários. Porém, destacam-se o aumento da produção literária autobiográfica e o surgimento de outro gênero literário: o de ensino. Podemos citar a Profecia de Neferty e as Admoestações de Ipuwer. Nelas é possível demonstrar a desestruturação de um reino diante do enfraquecimento do poder monárquico (Admoestações de Ipuwer) e a legitimação dos governantes do Reino Médio como restauradores da ordem (Profecia de Neferty). Como apontado por Leguizamón (2010), é possível encontrar nesses escritos tanto a descrição do caos, quanto a valorização de um governo unificado e centralizado, no qual os homens vivem de acordo com Maat e o equilíbrio do universo é mantido.

Os escribas possuíram papel fundamental na construção dessas narrativas. Com a função de armazenar dados que não podiam ser confiados a memória, passaram a ser vistos como aqueles que combinavam em seu ofício o aprender a escrever e viver como homem sábio. Tinham o dever de incorporar os valores promovidos pela realeza e transmiti-los. A transmissão para população, em sua maioria analfabeta, ocorria oralmente nas formas de mitos, provérbios e regulamentos que eram divulgados em festividades e rituais.

Assim, aqueles que dominavam o monopólio da produção dos escritos podiam selecionar as memórias do passado, controlando e gerenciando o que se dizia e o que era silenciado. Ao empregar a reorganização da monarquia centralizada, os governantes do Reino Médio construíram uma narrativa marcada por uma intenção política de valorização e legitimação de seus reinados, recorrendo a um passado ideal (Reino Antigo) e a um momento caótico (Primeira Período Intermediário) para demonstrar a necessidade de um reino onde o poder estivesse centralizado e a ordem dominante.

  1. Papiro Ipuur, hoje mantido no National Museum of Antiquities, localizado em Leiden – Holanda (https://pt.wikipedia.org/wiki/Papiro_Ipuur)

2-Fragmento da Profecia de Nefertiti, hoje mantido no Los Angeles County Museum of Art, localizado em Los Angeles – Estados Unidos (https://ca.wikipedia.org/wiki/Profecia_de_Neferti)

3- Lintel de Amenenhat I e divindades, hoje mantido no Metropolitan Muserum, Nova Yorque – Estados Unidos. (https://www.metmuseum.org/art/collection/search/544206)

4- Cabeça de Senusret III, hoje mantido no Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal (https://gulbenkian.pt/museu/colecao-com-historias/senusret-iii/)

Referências bibliográficas:

BRANCAGLION, Antônio. Quadro Cronológico – Lista de Reis. Seshat, Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional, UFRJ.

COELHO, Liliane Cristina. Vida privada e vida pública no Egito do Reino Médio (c.2040-1640 a.C.). 2009. 268f. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018. Acesso em: 10 jun, 2023. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/22308

DESPLANCQUES, Sophie. Egito Antigo: Uma breve introdução. L&PM Pocket Encyclopaedia, 2009.

Leguizamón, Yésica Jimena. La representación literaria del caos y la re-unificación de las Dos Tierras: breve esbozo de dos textos literarios del Reino Medio. 36. ed. Buenos Aires: Trabajos y Comunicaciones, 2010. Acesso em: 10 jun, 2023. Disponível em: http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/18114

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