A Representação dos Estrangeiros no Reino Novo – Egito Antigo

A Representação dos Estrangeiros no Reino Novo – Egito Antigo

A antiga sociedade egípcia, com seus milênios de história, detém grande bagagem cultural, mas não apenas ao que se refere a sua própria sociedade. Posicionando geograficamente a extensão territorial do Egito[1], que se localiza na região oriental do continente africano, nota-se a proximidade com o continente asiático, juntamente com acessos ao Mar Mediterrâneo e Vermelho, além do restante do território africano. Esta posição gerou consequências, principalmente relacionadas às expansões territoriais e relações comerciais, como pode-se perceber por esta imagem (Figura 1). Tendo em vista este fator, compreende-se que houve momentos de maior e menor aproximação entre egípcios e estrangeiros ao longo do tempo. Os registros históricos demonstram um aumento neste contato no período do “Reino Novo” (1550-1070 a.C.), devido às expansões de fronteiras ao longo das dinastias faraônicas. Uma das motivações para essas incursões militares foi o deus dinástico Amon, que, a partir da XVIII dinastia tornou-se uma das principais divindades do panteão egípcio. Assim, em nome de Amon, muitos dos faraós da XVIII dinastia buscaram expandir o território, expandindo o reino egípcio. Obviamente que esta expansão significou entrar em conflito com outras sociedades e culturas. Esse contato se expressou amplamente na arte egípcia e em textos mitológicos. Por exemplo, durante o governo do faraó Akhenaton, onde houve uma mudança na centralidade religiosa, de Amon para o deus Aton, há no “Grande Hino de Aton” uma citação sobre a presença dos estrangeiros no processo de criação do universo:
Tu colocas cada homem em seu lugar e crias o que lhe é necessário […] as línguas diferem nas palavras, a sua aparência igualmente; as cores de suas peles são diferentes, distingues os povos estrangeiros […] A inundação celeste existe para os habitantes e os animais de todos os países estrangeiros, que caminham sobre patas (Cardoso, 2008, p. 6-7 apud Santos, 2012).

Assim, os estrangeiros foram criados pelas divindades no processo de organização do mundo, sendo, no caso do exemplo acima, pelo deus Aton. Ainda no campo religioso, os estrangeiros poderiam receber a proteção de alguns deuses, principalmente de Hórus ou Sekhmet.
Os estrangeiros eram identificados como parte de grupos específicos: núbios, líbios e asiáticos. Estes, juntamente com a sociedade egípcia, compunham os grupos que formavam a humanidade, e eram representados de maneira específica, como pode se observar abaixo (Figura 3), na parte superior, da esquerda para a direita estariam os: egípcios; núbios; asiáticos e líbios.

Essa incorporação dos estrangeiros em sua cosmogonia não retira a centralidade egípcia autoimposta perante outras sociedades. Quando se compreende o conceito de Maat , de buscar viver em ordem e equilíbrio, é preciso ter em mente que isso é algo direcionado para a sociedade egípcia, colocando os estrangeiros fora deste processo. Isso pode ser visto com o deus Seth (Figura 2), que além do deus do caos, estava também associado aos estrangeiros. É como se a ordenação cósmica apenas existisse em terras egípcias e aqules que operam fora deste território seriam passíveis de trazer o caos.

Essa identificação do estrangeiro com o caos pode ser vista ao longo da arte egípcia, ainda mais aquela produzida ao longo da XVIII dinastia, marcada pelas expansões territoriais. O faraó Tutankhamon (1341 a.C. – 1323 a.C.) detinha objetos que exemplificam isto, primeiramente uma de suas sandálias (Figura 4), que representa em sua sola núbios e asiáticos, demonstrando o poder do faraó que, ao usá-la, estaria “pisando” sobre seus inimigos e, dessa forma, afastava o caos que poderiam trazer para o Egito. Ainda com Tutankhamon, temos o seu vaso de cosméticos (Figura 5), onde em sua base é possível observar cabeças de estrangeiros núbios e líbios, novamente em uma posição de inferioridade. Outro artefato que demonstra um conflito direto é a Paleta de Narmer (Figura 6), que simboliza a unificação do Egito, mediante guerras, realizadas pelo Faraó Narmer. Em um dos lados observa-se o governante golpeando um homem líbio, ao mesmo tempo que está “pisando” em outros, simbolizando o processo de expansão territorial através do conflito contra esses estrangeiros.

[1] Que se altera ao longo dos séculos, seja através de expansões ou perca de territórios.
[2]  Para ver mais sobre o conceito e deusa Maat, ver: https://museuegipcioerosacruz.org.br/maat-principios-regentes-do-egito-faraonico/.

Figura 1. Rotas comerciais do Egito – Principalmente com o continente Asiático

Figura 2. Set (à direita) travando uma disputa com Hórus (à esquerda).

Figura 3. Quatro grupos que formam a humanidade – Presentes na tumba de Séty I (KV17)

Figura 4. Sandálias de Tutankhamon com homens núbios e asiáticos. Réplicas expostas no Museu Egípcio Rosacruz.

Figura 6. Vaso de cosméticos de Tutankhamon. Réplica exposta no Museu Egípcio Rosacruz.

Referências:

SANTOS, Elias Moacir. A presença de estrangeiros no contexto funerário egípcio do Reino Novo. RJ: Universidade Federal Fluminense, Plêthos, 2, 1, 2012.

ANTHONY, Brooke Flora. Foreigners in Ancient Egypt: Theban Tomb Paintings from the Early Eighteenth Dynasty. UK: Blommsbury Academic, 2017.

Imagens:

1 –  https://pt.wikipedia.org/wiki/Via_Maris

2-  https://pt.wikipedia.org/wiki/Seth_(divindade)

3 –  https://www.academia.edu/download/28029098/edi_c3_a7_c3_a3ofinal.pdf#page=52  

4 – https://museuegipcioerosacruz.org.br/tesouros-do-museu-sandalias-do-farao-tutankhamon/

5 – https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Narmer_Palette.jpg

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