Terceiro Período Intermediário

Viviane Roza de Lima

Os períodos conhecidos como “intermediários” no Egito Antigo significavam momentos de grandes mudanças na sua forma de organizar a política, a sociedade e a cultura, no qual se observa a substituição do governo central por uma fragmentação política e uma distribuição do poder em centros locais espalhados por todo o país. De 1069-747 a.C, líbios (oriundos da Líbia ao leste do Egito) e núbios/kushitas (oriundos do reino de Kush, atual Sudão, ao sul do Egito) cada vez mais se tornam presentes em meio a disputas de controle de território e recursos, muito embora os enfrentamentos violentos não fossem constantes.

Conhecido também como a “Era de Prata”, o Terceiro Período Intermediário não mais alcançou a glória de outrora. Passou a reutilizar e reativar ritualmente uma série de monumentos reapropriados e transportados de diversos locais para a recém construída Tânis, fundada por Esmendes (1069-1043 a.C), primeiro rei da XXI dinastia, ao norte. Ainda assim, as dinastias XXI – XXV não constam em nenhuma das listas reais conhecidas e a quantidade de documentação deste período conservada é escassa.

Quando Ramsés XI faleceu (1099-1069 a.C.), último faraó da XX dinastia, a aparente unidade do país foi descortinada em contrapartida com a grande tensão interna entre os reis do Norte com sede no Delta, em Tânis, e os reis do Sul, comandantes militares que também detinham o cargo de “Grande Sacerdote de Amon”, com sede em Tebas

É na XXI dinastia que acontece o desmantelamento das tumbas reais do Reino Novo (no Vale do Reis), que deixou de ser local de enterramento real e encerra-se a comunidade de Deir el Medina (construtores de tumbas). O conteúdo de muitas tumbas foi saqueado, levando ao sumo sacerdote Pinedjem I (107-1030 a.C.) a retirar várias múmias e seus tesouros funerários para lugares mais escondidos e a salvo dos roubos: no Cachette de Deir el-Bahari (Bab el-Gasus) e no Cachette Real TT 320 (TT – Tumba Tebana).

Com a constante descentralização do governo foi possível o crescimento de bases locais de poder, aumentando a autonomia dos descendentes de colonos líbios presentes desde o final do Reino Novo. Havia uma classe de ex-militares e chefes de grupos mercenários que conquistaram posições de influência local, fruto de recompensas por serviços ao Egito. Tanto no Norte quanto no Sul apareceram cada vez mais famílias governantes líbias que, com o tempo, passaram pelo processo de egipcianização, adotando nomes, vestimentas e costumes funerários. Por cerca de quatrocentos anos, os líbios controlaram toda ou a maior parte do Egito, continuando algum controle durante a dominação núbia (kushita).

O contato direto de Kush com o Egito ocorreu em 750 a.C, com Kashata, o primeiro governante, cuja base fundamental de governo era militar. No entanto, houve uma tolerância com relação à administração descentralizada que ocorria no país. Importância maior ocorre com o cargo de “Esposa do deus Amon”, em Tebas. Sua influência local foi elevada, bem como dos que estavam na sua comitiva ou daqueles que estavam no cargo de governador de Tebas. Embora fossem diferentes no que diz respeito a ideologia da realeza, os governantes kushitas absorveram a cultura egípcia muito antes, como se observa nas tumbas reais de Kush em forma de pirâmides, com uma absorção cuidadosa das tradições canônicas dps egípcios.

Devido à sua política ativa com relação ao Levante, se conduziu um conflito entre Kush e a Assíria. Esta já havia tomado a Babilônia e partes dos territórios da costa mediterrânica. Pelo envolvimento kushita na Palestina, a Assíria conquistou o Egito em 667 a. C., com a invasão de Assurbanipal. Embora os dois últimos monarcas kushitas, Taharqa Khunefertemra (690-664 a. C.) e seu sucessor Bakara Tanutamani (664-656 a. C.) tivessem realizado tentativas de se reintegrarem ao trono egípcio, não tiveram sucesso e foram expulsos do território.

Ainda que a conotação desvantajosa que o termo “intermediário” tenha sido atrelado aos momentos de interlúdio das “épocas gloriosas” do Egito, as mudanças culturais e sociais ocorridas floresceram na sociedade fazendo com que o Terceiro Período fosse um tempo distinto dentro do contexto geral da história egípcia. As trocas culturais com os povos líbios, núbios e kushitas certamente provocaram modificações das tendências religiosas e artísticas na sociedade da época. Podemos ainda, considerá-lo como tendo lançado as bases para a última grande fase de prosperidade do Egito Antigo.

Escultura real de Ramsés II, no templo de Karnac, usurpada por Faraó Pinedjen I e sua esposa.

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pinedjem_I,_Karnak,_Egypt.jpg

 

Vaso líbio – 943 / -716

https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010016996

Estátua de Karomama, divina adoradora de Amon

(874-859 a. C.)

Museu do Louvre, Paris.

https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010007975

 

Núbio (em pé, tanga, arreio, segurando, cesto, carregando); macaco (sentado) (macaco sentado no ombro; costas retas)

-760 / -526 (?) (XXVe dinastia [?]; XXVIe dinastia [?])

Local da descoberta: Sudão (Cartum, conforme inventário)

E 3835 A

https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010009018

 



As pirâmides de Kush, em Meroé (atual Sudão)

https://www.nuevatribuna.es/articulo/cultura—ocio/historia-civilizaciones-reino-de-kush-nubia/20231103191526218986.html

 


Estatueta divina do faraó Taharqa

https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010006659

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

‌CAMPBELL, Price. The Third Intermediate Period. In: Ancient Egypt. Thames & Hudson, 2018.

O surpreendente esconderijo de múmias de faraós encontrado no século XIX em Deir el-Bahari (TT320) – Arqueologia Egípcia. Disponível em: <http://arqueologiaegipcia.com.br/2017/02/21/o-surpreendente-esconderijo-de-mumias-de-faraos-encontrado-no-seculo-xix-em-deir-el-bahari-tt320/>. Acesso em: 1 fev. 2024.

 

TAYLOR, John. El tercer Período Intermedio (1069-664 a. C.). In: Historia del Antiguo Egipto. SHAW, Ian (Ed.). La esfera de los libros, 2016.

STRUDWICK, Helen (Ed.). La enciclopedia del antiguo Egipto. Edimat Libros, 2007.

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