Por Ewerson Dubiela – Historiador e Museólogo do Museu Egípcio & Rosacruz Tutankhamon
Fundada na época da unificação do Egito pelo faraó Narmer (3150-3050 a.C.), Memphis é uma cidade milenar que, infelizmente, teve muitos dos seus edifícios e monumentos desmantelados, soterrados ou perdidos devido às ações humana e natural. Graças aos esforços de equipes arqueológicas, diversos elementos sobre a vida das populações ocupantes de Memphis ressurgem, demonstrando crenças e modos de percepção em relação aos espaços que formavam o templo de Ptah.
De tal forma, diversas vilas acabaram sendo fundadas ao longo de séculos e ficavam ao lado daquilo que um dia foram as muralhas que cercavam o recinto sagrado. Um destes locais é Kom el-Rabia, sítio arqueológico presente na área sudoeste de Memphis. Sua ocupação pode ter sido iniciada ainda no Reino Médio (2040-1640 a.C.), porém é mais evidente a presença de elementos que datam do Segundo Período Intermediário até o período Saíta. (1640-525 a.C.)
As escavações na área de Kom el-Rabia foram realizadas entre 1984 e 1985 através do Memphis Project da Egypt Exploration Society, que já havia realizado outros trabalhos entre 1891 e 1893 na área mais central do Templo de Ptah, permitindo que pudesse ser escolhido este novo local. Dessa forma, na temporada de 1984, houve a descoberta de uma área de casas de trabalhadores artesãos dos Reino Novo (1550-1070 a.C.).
Estas casas, cuja arquitetura já não existe exemplares, sobrando apenas as linhas de suas fundações, ainda nos mostram que possuíam grandes pátios de terra batida, com dimensões modestas e, havendo na área mais a nordeste, um armazém. A casa mais bem preservada possui um forno em seu interior e sinais de que havia pequenos poços para fogueiras em uma de suas paredes, indicando relativa atividade industrial. Sobre o armazém, as casas e pátios estavam organizados de maneira a permitir o acesso comum a ele, sendo substituído apenas quando outro fora construído na área noroeste do sítio e o primeiro bloqueado por uma parede. Algumas dessas casas, devido ao período de suas construções, se parecem bastante com aquelas encontradas em Amarna ou próximas a Karnak, sendo uma pequena câmara de entrada, sala de estar e pares de pequenas salas na área interna conectadas a um longo corredor.
Sobre os objetos localizados durante a escavação, esta lista pode ser resumida em itens de caráter doméstico ou de trabalho, como martelos para rochas duras, selas e tripés de basalto, geralmente localizados em salas nas áreas mais afastadas das casas. Objetos em metal também foram localizados, produzidos em bronze e ainda em ótima condição de conservação. Nesse caso, foram descobertas pequenas ferramentas como ponteiras, espátulas e cinzéis, ou utensílios domésticos como anéis, brincos, navalhas e punhais e, ainda, itens votivos, como estátuas do deus Ptah, placas com inscrições, amuletos em forma de escaravelho e colunas Djed feitas em calcário com incrustações em bronze. As colunas Djed representam estabilidade a partir da coluna do deus Osíris e podiam ser usadas tanto para vivos quanto para os mortos. Há também pedaços de metal fundido, de ferro e bronze, encontrados junto com elementos descartados, o que determina trabalhos de fundição local. Outros objetos, dessa vez em cerâmica, foram localizados em grande quantidade e representam concubinas nuas deitadas em camas, porém, sem as crianças que geralmente eram representadas ao seu lado e estátuas de serpentes. As estátuas de concubinas nuas podem ser interpretadas em um contexto doméstico em que sua presença na casa ofereceria para a mulher fertilidade e proteção durante a gravidez e o parto.
Sobre materiais com escrita, pouco foi encontrado. Há, principalmente, anéis com cartuchos reais, escaravelhos e blocos usados em portas, sendo que um possuía um título real e o outro pertencia ao sacerdote leitor de Ptah, Sethnakht. Os anéis e escaravelhos têm os nomes de Tothmés III, Amenhotep II, Amenhotep III, Tutankhamon, Horemheb, Seti I e Ramsés II, todos faraós do período o Reino Novo. Por fim, jarros de cerâmica característicos do Segundo Período Intermediário também foram encontrados, demonstrando que a vida neste assentamento perdurou por quase 1000 anos.
Para conhecer o sítio de Kom el-Rabia e o trabalho executado pela equipe da Egypt Exploration Society no Memphis Project, acesse o perfil do Flickr pelo link:
Referências
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