Lavínia Lirio – monitora do Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon A devoção a inúmeros deuses, a religião e a mitologia eram extremamente importantes e faziam parte do cotidiano no Egito Antigo. Uma das principais formas de demonstrar essa devoção era através da realização de rituais e celebrações dentro de monumentos, como as pirâmides, mastabas e é claro, os templos. Além de serem obras majestosas, os templos também eram construídos com o intuito de serem locais de total dedicação aos deuses e cada um era construído para uma divindade específica. Embora fossem locais de culto e adoração, os templos também tinham uma estrutura que representava a mitologia, ou seja, a arquitetura era projetada para demonstrar a celebração da criação e recriação do mundo. As colunas, por exemplo, eram construídas em formatos de papiro, palmeira e de flor de lótus, plantas que se originaram posteriormente a criação do mundo, quando Rá, o deus criador, brilhou no céu e deu origem às vegetações. Os fenômenos naturais tinham significados muito importantes para os egípcios antigos, como é o caso da incidência da luz que era um fator muito representativo. Nas repartições onde a luz do sol entrava, como no primeiro pátio que ficava logo após a entrada do templo, as colunas vegetais eram construídas de forma aberta, ou seja, retratavam que o mundo já havia sido criado, e nos ambientes que eram extremamente escuros sem entrada da luz solar, as colunas tinham formato fechado, indicando que o mundo ainda não havia sido criado. Por serem locais sagrados, não era qualquer pessoa que tinha acesso aos compartimentos do templo, as pessoas comuns tinham passagem livre apenas em ocasiões específicas, como celebrações e cerimônias, que aconteciam geralmente nos pátios de entrada. Somente o Faraó e os sacerdotes tinham acesso a todas as salas e câmaras do templo, e eram eles os responsáveis pelos cultos, celebrações, rituais e a administração em geral. Os sacerdotes estudavam, se preparavam e dedicavam-se a essas funções por três meses, permanecendo no templo no decorrer desse período. Durante esse tempo trabalhando na “Casa do Deus” os sacerdotes tinham que seguir algumas regras, como por exemplo, raspar todos os pelos do corpo, não manter relações sexuais, usar apenas roupas de linho, e fazer uma purificação, isto é, várias vezes ao dia eles tinham que se banhar no lago sagrado, que ficava dentro do templo. Na hierarquia egípcia antiga, os sacerdotes só estavam abaixo da família real e do Faraó, então era imprescindível que eles seguissem todas essas regras, pois, uma das funções sacerdotais era a realização do Ritual Diário, considerado um dos cultos mais importantes para manter a ordem estabelecida no mundo segundo os egípcios antigos. Uma das áreas mais internas do templo chamava-se Santo dos Santos, era uma sala totalmente escura, a mais reservada e exclusiva, pois ali ficava a estátua do deus e era onde ocorria o Ritual Diário. Dentro dessa sala ficava um tabernáculo, considerado uma espécie de abrigo para a estátua, que ficava guardada até o momento inicial dos ritos. A escuridão no local era a representação da divindade desacordada nas águas primordiais, e para que ela despertasse era necessário realizar todos os processos do Ritual Diário. Após as preparações, os sacerdotes entravam em direção ao santuário e iniciavam os rituais, primeiramente purificavam o local utilizando água e incenso, para em seguida retirar a estátua do tabernáculo. A imagem do deus era tratada como se fosse um ser vivo, os sacerdotes faziam oferendas com alimentos variados como carnes e pães, davam banho, ungiam com óleos e colocavam “roupas” que geralmente eram feitas de linho. O intuito desse procedimento era justamente que o Ba (alma do Deus) adentrasse a estátua, assim, possibilitando a recriação do mundo. Finalizando os ritos, os sacerdotes guardavam a estátua no tabernáculo até o dia seguinte, quando todo o ritual acontecia novamente. As etapas da cerimônia aqui descritas eram basicamente as mesmas em todos os templos, sempre realizadas antes do nascer do sol, variando apenas a quantidade e qualidade das oferendas e o número de sacerdotes trabalhando no local. O Ritual Diário é apenas mais um exemplo da riqueza cultural dos egípcios antigos, essa civilização que através de suas grandes construções, da mitologia, da escrita e de sua religião, deixaram seu legado na história, despertando a curiosidade e o fascínio até na contemporaneidade. Referências: SOUSA, Aline F. O Rei Divino: práticas, rituais e representações no Egito Faraônico. Fortaleza (tese), 2009. CHAPOT, Gisela. O SENHOR DA AÇÃO RITUAL: UM ESTUDO DA RELAÇÃO FARAÓ-OFERENDA DIVINA DURANTE A REFORMA DA AMARNA (1353-1335 a.C). 2011. CASSON, Lionel. O Antigo Egito. Rio de Janeiro. José Olympio. 1969.