Por: Vivian Tedardi – Historiadora
Ao longo da história egípcia antiga os faraós construíram suas tumbas para que fossem a morada eterna de seus corpos e garantissem a sua existência na companhia dos deuses. As pirâmides são, com certeza, o exemplo mais famoso, porém não as únicas estruturas erigidas para este fim. Os reis que governaram durante o período áureo da história egípcia, o Reino Novo (1550-1070 a.C.), construíram suas tumbas escavadas na rocha, no deserto Ocidental, próximo da capital Tebas, região conhecida como Vale dos Reis.
Os egípcios referiam-se a região como “Grande e nobre necrópole de milhões de anos do faraó que é vivo, seja próspero e são, no oeste de Tebas” ou “O vale – o grande lugar em que descansa o faraó”. Até hoje foram descobertas sessenta e quatro tumbas reais das XVIII, XIX e XX dinastias e o local escolhido para abriga-las não foi aleatório, pois a montanha que acolhe esses sepulcros possui forma piramidal, e é conhecida como el-Qurna. Além deste significado simbólico há outro, visto que a forma de algumas cadeias montanhosas foi associada ao símbolo Akhet, que significa horizonte, local de passagem entre o mundo dos vivos e o mundo dos deuses.
Embora grande parte das tumbas tenham ficado inacabadas, sabemos que o faraó no início de seu governo mandava iniciar os trabalhos para a construção de seu sepulcro. Geralmente o local era escolhido pelo vizir, pelo chefe dos trabalhadores e alguns outros funcionários reais, porém, a decisão final cabia ao rei. Com a escolha do local era realizada a cerimônia de fundação, na qual um ou mais poços eram escavados em alguma área próxima da entrada da tumba e vários objetos votivos eram ali depositados.
Para abrigar os construtores das tumbas reais foi erigida a cidade de Deir el-Medina. Os trabalhadores eram divididos em dois grupos: lado esquerdo e lado direito, sendo que cada um dos lados tinha um capataz, com um ajudante. Havia apenas um escriba por vez, que atendia aos dois grupos. Além desses, viviam na cidade desenhistas, escultores, médicos, assistentes e guardas. Basicamente as atividades estavam relacionadas a construção das tumbas reais. As escavações arqueológicas realizadas na cidade e nas tumbas dos construtores revelaram o cotidiano das pessoas que atuaram na construção desta necrópole real.
E como eram as tumbas do Vale dos Reis? Escavadas na rocha, são formadas por corredores e câmaras, porém não aleatórias, mas relacionadas a concepção post-mortem do período, principalmente associando o rei ao deus sol Rá. As tumbas seriam uma versão terrestre do mundo ultraterreno, um mundo que o monarca deveria cruzar todas as noites acompanhando o deus solar para que pudesse renascer no Leste no dia seguinte, ao amanhecer. A iconografia presente afirma isso, pois recriava esse mundo ultraterreno e todas as criaturas que o habitavam. Além das associações com Rá, o faraó também era assimilado com o governante do mundo dos mortos, o primeiro dos Ocidentais, o deus Osíris. Cada um dos corredores e salas foram nomeados de acordo com a passagem do deus sol pelo inframundo, sendo que a câmara funerária do rei era chamada de “sala onde o uno descansa” ou “a casa de ouro onde o uno descansa”. O ouro aqui representa divindade, por isso, geralmente, a cor amarela era predominante no espaço, que continha o sarcófago real, e a exemplo da tumba de Tutankhamon, possivelmente este era recoberto por quatro relicários feitos em madeira e folheados a ouro.
Embora as tumbas construídas foram destinadas aos faraós do Reino Novo, os últimos enterramentos ocorreram durante a XXII dinastia, Terceiro Período Intermediário (1070-712 a.C.), quando tebanos reutilizaram algumas delas. Isso ocorreu porque desde a Antiguidade muitas tumbas foram saqueadas. Construídas para não serem encontradas, infelizmente há registros de saques ainda no final do Reino Novo. No período Greco-Romano (304 a.C. a 395 d.C) quinze tumbas eram conhecidas, o que é possível verificar por grafittis encontrados em sepulturas raméssidas e datados desse período.
Embora a pesquisa sistematizada da região tenha iniciado no século XIX, há registros de impressões do local realizadas no século XVII e, em fins do XVIII, com a expedição de Napoleão Bonaparte. Esta, inclusive, foi responsável pela elaboração do primeiro mapa da região, contabilizando dezessete tumbas abertas. Na primeira metade do século XIX, com a exploração imperialista europeia no Egito e a busca por “antiguidades”, levou a descoberta de oito novas tumbas pelo italiano Giovanni Battista Belzoni. Em 1827, para identificação das tumbas, elas foram numeradas em vermelho, em ordem sequencial. Forma que continua sendo utilizada quando uma nova tumba é descoberta, com a sigla KV (Kings Valley) e o número sequencial.
O Vale dos Reis continua sendo explorado arqueologicamente, embora a grande descoberta tenha ocorrido em novembro de 1922, quando o arqueólogo inglês Howard Carter descobriu a tumba de Tutankhamon. Esta estava praticamente intacta, revelando como deveria ser o tesouro dos outros reis enterrados na região, e que tiveram os seus sepulcros saqueados ao longo do tempo. Na verdade, apenas duas múmias de faraós foram encontradas em suas respectivas tumbas no Vale dos Reis: Amenhotep II e Tutankhamon.
Quem visita a região encanta-se com a grandiosidade das tumbas que, mesmo inacabadas, revelam a concepção egípcia antiga na crença além-túmulo. Também o conhecimento construtivo e decorativo daqueles que atuaram na construção das moradas eternas dos reis que, ao terem sua vida eterna garantida, atuavam para a manutenção da Ordem criada pelas divindades egípcias.