A estrela Sóthis

Por Ewerson Dubiela – Historiador do Museu Egípcio e Rosacruz

Em nossa cultura ocidental, a estrela Sóthis é chamada de Sirius e pertence à constelação de Canis Majoris (Cão Maior), sendo ela a estrela alfa. Porém, o nome antigo pelo qual era chamada, Sóthis, vem do grego e, assim como o nome de deuses e faraós, os egípcios a conheciam por seu nome em sua língua mãe, Sopdet. Devemos lembrar que todas as civilizações antigas observavam o céu noturno e lhe conferiam significados especiais e divinos. Com Sopdet, para os egípcios antigos, não foi diferente. Desde o início desse povo, Sopdet foi associada à deusa Isis ao passo que a constelação de SaH, que para nós se trata de Órion, era relacionada à Osíris, portanto, remetia à mitologia osiriana do casal divino que governou o Egito. Isso fica claro quando olhamos para os chamados “canais de ventilação” da Grande Pirâmide de Gizé, pertencente ao faraó Queops, da IV Dinastia (2575-2465 a.C.). O canal de ventilação da Câmara funerária do rei está apontado para SaH, enquanto o da rainha está apontado para Sopdet, indicando essas conexões para o governante que foi enterrado ali.

A imagem de Sopdet era personificada através da estátua de uma mulher com uma estrela em sua cabeça e os hieróglifos que constituem seu nome trazem objetos do cotidiano que, ao final, é uma estrela (seu determinativo), que indica tratar-se realmente de um corpo celeste. Foi a observação do céu e dos elementos naturais que permitiu aos egípcios a criação de seus calendários e, assim, a organização da sociedade, que ia desde os trabalhos mais simples até mesmo à coroação do rei. No céu, a respeito disso, eram observadas a Lua e as estrelas e elas determinavam as celebrações e festas religiosas, mas também a agricultura. Essas necessidades permitiram o surgimento de dois dos calendários mais conhecidos: o lunar e o civil. É dentro do chamado “calendário civil” que vamos encontrar as estações do ano egípcio, respectivamente Akhet, Peret e Shemu. A estrela Sóthis tinha importância principal para Akhet, a primeira estação do ano, devido ao fenômeno astronômico de seu nascimento, que os egípcios chamavam de prt spdt, desde o Reino Médio (2040-1640 a.C.), e quer dizer “O sair de Sóthis” e por conta de seu brilho intenso.

A palavra Akhet quer dizer, neste sentido, inundação e se trata de um período que compreende a metade de julho até a metade de novembro. Assim, o sair de Sothis e a inundação eram conjuntos no olhar dos antigos egípcios e, por isso, facilmente associados ao início do ano. Essa inundação do Nilo permitia que as águas preenchessem os bancos de terra com nutrientes ricos através de lodo no solo, o que garantia a renovação da vegetação e do seu entorno. A importância desse fator natural foi interpretada através da mitologia osiriana e com diversos deuses. Essa inundação, entretanto, era resultado das chuvas nas áreas altas da Etiópia, que iam para o Nilo Azul e para o rio Atbara. Posteriormente, uniam-se com o Nilo Branco e, finalmente, formavam o grande Nilo que desembocava no mar Mediterrâneo. Esta estação, cujo início coincidia com a aparição da estrela Sopdet e marcava o ano novo egípcio, terminava com o retrocesso das águas do Nilo que permitia as plantações de diversas culturas, que os egípcios chamavam de Peret (saída) e remetia ao renascimento das plantas. A última estação era chamada de Shemu e era dedicada à colheita das plantações. Esse ritmo constante que seguia o rio Nilo, o caminho que o Sol percorria gerando manhã, tarde e noite e, por fim, os movimentos repetitivos das estrelas durante o período noturno foram percebidos como Maat, a Ordem Cósmica criada pelos deuses que se refletia na natureza e devia ser observada pelos sacerdotes e pelo rei.

 

Simulação do nascer de Sírius em 1 Akhet 1 (Primeiro dia do ano no calendário civil egípcio). Sothis é visível até o nascimento completo do Sol.

Fonte: Stellarium (software). Data: 15 de julho de 2782 a.C.. Observado do Cairo.

 

Referências bibliografias.

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___________________. The Egyptian Civil Calendar A Masterpiece To Organize The Cosmos. Instituto de Astrofísica de Canarias. 2009.

BRANCAGLION, Antonio. Quadro Cronológico – Lista de Reis. Laboratório Seshat. Museu Nacional UFRJ.

HART, George. The Routledge Dictionary of Egyptian Gods an Goddesses. 2nd edition.

LULL, Jose. La astronomía en el antiguo Egipto. 3ª ed. Universitat de València. 2016.

MARK, Joshua. Ancient Egyptian Agriculture. Acesso em junho de 2020. Disponível em: https://www.ancient.eu/article/997/ancient-egyptian-agriculture/

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